TRANSFORMAR » Corpo precisa ser adaptado A segunda matéria da série Transformar revela os cuidados que devem ser tomados durante e após a transformação no corpo dos homens

Marina Maranhão
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Publicação: 22/10/2018 03:00

Para se preparar fisicamente para atuar em campo, é necessário trabalhar bem a resistência, a velocidade e a agilidade. Nascidos em corpos femininos, os atletas do Transviver Futebol Clube enfrentam dificuldades naturais na adaptação para poderem competir em alto nível com homens cisgêneros, naturalmente e em geral dotados de maior força física. Resta a profissionais como a preparadora física e treinadora do time, Nanda Mello, a tarefa de capacitar o elenco. “Recebi o convite de Regina Guimarães (idealizadora do projeto Transviver) para treinar os meninos. Sou totalmente voluntária e não tenho nenhum retorno financeiro. Os meninos não se intimidam com nada”, conta a treinadora.

Mas os rapazes que optam pela transformação física para se adequarem ao sexo masculino passam por uma série de dificuldades ainda cercadas de mitos. Segundo o endocrinologista do Espaço Trans do Hospital das Clínicas, Eric Trovão, a transição pode ser feita, quando adulto, a qualquer idade. Para jovens menores de 18 e maiores de 16 anos, entretanto, é necessário que haja a autorização dos pais. “Para dar início a um tratamento com hormônio é aconselhável que o indivíduo procure um psicólogo ou psiquiatra antes. Caso o médico avalie o indivíduo e não observe sinais de disforia de gênero, identificação forte e persistente com o gênero oposto ao do nascimento, a avaliação psiquiátrica não se faz necessária”, conta o especialista.

Segundo o endocrinologista, para os homens transexuais utiliza-se a testosterona, que pode ser injetável ou tópico. Ela aumenta a força muscular, a hipertrofia muscular, além de aumentar os pelos nas regiões da pele que são sensíveis à testosterona. Ainda segundo o especialista, o medicamento também irá bloquear a menstruação e a produção do hormônio estrógeno pelos ovários. “A testosterona também atua na laringe, causando modificação da voz. Há também um efeito sobre a gordura do indivíduo, fazendo com que ela seja transferida para a região abdominal”, explica Trovão.

Sobre os efeitos colaterais, os atletas que passam pela transformação ocasionalmente – segundo o especialista – sofrem efeitos negativos no cérebro, que podem alterar o humor e causar irritabilidade, hipertensão arterial, apneia do sono e aumento na concentração de hemácias no sangue, além de problemas ligados ao colesterol. “Recomenda-se parar de fumar, fazer exames de rotina no início e manter o seguimento regular com o médico, avaliando efeitos desejáveis e indesejáveis. Recomenda-se também ter hábitos saudáveis de vida”, sugere o médico.

Este foi o caso do goleiro e gerente de hamburgueria Gustavo Felipe. Ele descobriu que não gostava de homens aos 15 anos e, aos 23, assistiu a uma reportagem sobre transexualidade e se identificou com o personagem da matéria. Aos 28 anos, foi chamado para passar por um acompanhamento psicológico e só então começou a transformação. “Futebol e futsal eram mais pra homem, e como eu tinha característica feminina não tinha muito acesso. As meninas iam pro vôlei, queimado, menos futsal. Dentro da escola só havia espaço para homens”, desabafa o atleta, que atualmente aguarda para fazer mastectomia, cirurgia de remoção completa da mama, no Hospital das Clínicas, no Recife.

Segundo o endocrinologista Eric Trovão, nos primeiros seis meses de reposição hormonal já se percebe os principais efeitos da testosterona. A medicação pode ser interrompida se o paciente optar pela retirada dos ovários. Em hipótese alguma, segundo o especialista, deve-se procurar a automedicação. “A importância do acompanhamento médico é fazer avaliação clínica e laboratorial para detectar necessidade de ajustar a dose ou até mesmo modificar a preparação da testosterona em uso. Mas a automedicação nos homens transexuais é menor do que nas mulheres".

Outro ponto abordado por Trovão é a importância de juntar especialidades a favor do paciente. O ideal – segundo ele – é que o acompanhamento seja multidisciplinar: psicólogo, assistente social, psiquiatra e ginecologista quando necessário, além de fonoaudiólogo e mastologista, durante a mamoplastia. As especialidades estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas, segundo Trovão, a demanda é alta e muitos estão na lista de espera de locais como o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, um dos cinco hospitais habilitados no Brasil pelo Ministério da Saúde para atendimento aos transexuais.

“É uma das minhas maiores realizações profissionais. Tenho a chance de ajudar uma parcela da população marginalizada que, até pouco tempo, nem acesso à saúde tinha. Tenho a oportunidade de levar minha experiência para outros colegas, mostrando que não é tão complicado dar assistência aos transexual”, conta Trovão.