ESPORTE, MODALIDADE ESPERANçA » A inclusão como meta Medalhista olímpica e atualmente executiva de Esportes da Prefeitura do Recife, Yane Marques tenta dar a outros atletas o que ela teve e soube aproveitar: uma oportunidade

Daniel Leal
esportes.pe@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 11/12/2018 03:00

Seguramente, não existe em Pernambuco nenhuma outra personalidade que consiga unir tão bem as faces das políticas públicas com as do esporte como Yane Marques. Única medalhista olímpica individual da história do estado com o bronze conquistado nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, a hoje ex-atleta de 34 anos deixou de lado o pentatlo moderno desde o ano passado. A transição se deu para assumir dois cargos relevantes. A sertaneja de Afogados da Ingazeira é atualmente a secretária executiva de Esportes da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) e, paralelamente, exerce um mandato de quatro anos, até as Olimpíadas de Tóquio, em 2020, como vice-presidente da Comissão de Atletas do Comitê Olímpico do Brasil (COB).

Yane é uma colecionadora de títulos e medalhas. Bicampeã em Jogos Pan-Americanos, ouro nos Jogos Mundiais Militares e a mais singular das conquistas: primeira latino-americana a ganhar medalha no pentatlo moderno na história dos Jogos Olímpicos. Para chegar tão longe, a pernambucana gosta de bater uma importante tecla: teve oportunidade. De treinar, de conhecer o esporte, de se destacar. Exercendo cargos técnicos, ela hoje tem como maior objetivo proporcionar o caminho do esporte para os jovens do Recife e defender o esporte olímpico em Brasília.

Entrevista especial do último dia da série de reportagem Esporte, modalidade esperança, Yane Marques fez um raio-x da sua gestão de dois anos como secretária de Esportes do Recife. Imersa também ao dia a dia do COB, ela falou da possibilidade de fusão entre os Ministérios do Esporte e da Educação, tratando o tema com máxima cautela e senso crítico ao rumo que as decisões podem levar os investimentos no esporte.

Entrevista - Yane Marques // secretária executiva de Esportes da PCR

“O esporte é uma ferramenta de construção do cidadão”

Como as políticas públicas contribuem para ajudar, através do esporte, jovens e crianças que estão em situação de vulnerabilidade social?
A política pública direcionada ao esporte é multibenéfica. É uma contribuição que traz muitos benefícios para o atleta, para a família do atleta e para sociedade de maneira geral, porque a pessoa que se envolve com o esporte tem um grande potencial de não estar com doença ou em condição vulnerável, de violência ou de droga. O âmbito do desporto, a vida para quem vive o esporte, ela é diferente. O atleta tem que abrir mão de muitas coisas daqui que quer viver se quer seguir a carreira.

Essa política deve pensar além do esporte de alto rendimento, certo?
Falando de política pública, a gente não fala apenas de atleta de alto rendimento. A gente fala de pessoas que vivem o esporte como escape, por qualidade de vida, para ocupar o tempo ocioso com uma prática prazerosa, que ensina, disciplina, educa, doutrina... E precisa-se ter um olhar muito atento e carinhoso. O esporte é uma ferramenta de construção do cidadão. Não tem como não trazer isso que eu penso ou acredito para minha realidade hoje. Tenho uma dívida impagável com o esporte. Todas as horas que eu dedicar para tentar transformar a vida de uma pessoa através do esporte, elas vão ser poucas.

Você se vê com o compromisso de criar caminhos para outros jovens trilharem seu exemplo?
Essa é a minha missão aqui: dar oportunidade, encontrar pessoas com potencial que possam viver o que eu vivi. O esporte transformou minha vida para melhor. A minha, da minha família. Você começa a ser uma pessoa diferente, exemplo, modelo para aqueles que estão no seu convívio. O esporte abre portas. Aqui (na PCR), a gente trabalha com todos os segmentos, crianças, jovens, idosos, adolescentes, pessoas com e sem deficiência. E eu já consigo perceber na prática, se fizer um esforço, quantificar como essa nossa contribuição depois desses quase dois anos já mudaram tantas realidades.

Você poderia fazer um balanço desses quase dois anos à frente da secretaria executiva de esportes da PCR?
Eu sou suspeita para falar, mas acredito que o balanço é positivo, sim. Quando você pega o papel e dá uma olhada nas coisas que aconteceram, os projetos que tínhamos no papel e viraram realidade… Por exemplo, quando cheguei na Prefeitura, após o convite no final de 2016, cheguei com a bagagem de 20 anos como atleta. Eu falei ao prefeito que estava disposta ao desafio, que após a Olimpíada estava pronta para viver coisas novas, mas não sabia o que estava por vir. Preciso ser franca e dizer que minha experiência com gestão era nível zero. Não sabia nada, absolutamente nada. Mas tinha esse conhecimento técnico e que poderia somar. E aqui estou: fazendo curso avançado de gestão esportiva do COI, pelo COB, tenho lido bastante, me capacitado, e hoje posso ver que, de verdade, quando cheguei aqui, o cenário era diferente para mim e para a pasta.

Qual o cenário encontrado?
A gente não tinha jogos escolares… É até delicado falar porque é a mesma gestão. Era Geraldo Júlio (prefeito) e continua sendo Geraldo Júlio. Mas a partir do momento que ele faz essa troca é porque ele estava sentindo que esporte precisava de um up grade, de algo a mais. E a gente chegou com essa meta. E assim temos feito. Jogos Escolares do Recife foi um resgate.

Você, então, está satisfeita com o resultado até agora?
Poderia fazer mais? Poderia. Todas as secretariais poderiam fazer mais, mas o recurso é contado. E é aí onde entra boa vontade, criatividade, amor pelo que você está fazendo de ir atrás, de pedir, eu na minha história como atleta sempre muito ranzinza, não gostava de pedir. Lembro de uma competição que cheguei para montar, procurei meu material e vi que tinha esquecido meu chicote. Fiquei p* da vida. ‘Você só faz isso da vida e esquece. Vai entrar sem chicote’. Não peguei emprestado de chatice. Me lasquei porque o cavalo ficou empacando e eu dando com a mão… Porque não queria pedir. E hoje passo o dia de secretaria em secretaria pedindo. E assim as coisas vão acontecendo.

Você foi convidada para ser candidata na última eleição? Passa pela sua cabeça?
Fui convidada (pelo PSB) para me candidatar a deputada estadual. Não me sinto pronta. Não vou chegar na Assembleia (Legislativa) para uma votação sobre agrotóxicos, por exemplo, e não saber nada. Minha vida é o esporte. Eu vou ter que ter um compromisso e responsabilidade de legislar sobre todos os temas.

Como você tem enxergado essa possibilidade de haver uma fusão entre os Ministério do Esporte e da Educação?
Eu não li ainda a proposta. Não quero ser pessimista. O fato de fundir com outro ministério não significa dizer que vai ser ruim. Se vai fundir e o orçamento vai ser mantido ou vai aumentar, pode ser que não seja tão ruim. Mas para ter uma opinião construída sobre isso é necessário a gente ter acesso ao que de fato vai acontecer.

Quais fatores, por exemplo?
Depende da proposta, o que ele quer para esporte? Manter o que está acontecendo e tentar melhorar ou quer tentar colocar uma pessoa que vai terminar tudo que passou e recomeçar do zero? Aí é preocupante. Tem muitos projetos interessantes de esportes de rendimento, esporte educacional… Minha preocupação é que o esporte seja muito direcionado para o esporte de educação apenas. Hoje o ministério repassa verba ao Comitê Olímpico do Brasil, que repassa para as federações que são responsáveis pelo esporte de alto rendimento no país.  E o esporte de rendimento é caro, exige um aporte financeiro muito grande.  Mas não acredito que vão atrapalhar o esporte de alto rendimento. Espero que a gente não dê um passo para trás.

Recursos

Orçamento de investimentos do Ministério do Esporte

  • 2004    R$ 600 milhões
  • 2005    R$ 1 bilhão
  • 2006    R$ 1 bilhão
  • 2007    R$ 1,1 bilhão
  • 2008    R$ 1,6 bilhão
  • 2009    R$ 1,7 bilhão
  • 2010    R$ 1,8 bilhão
  • 2011    R$ 2,2 bilhões
  • 2012    R$ 2,1 bilhões
  • 2013    R$ 3,6 bilhões
  • 2014    R$ 1,8 bilhão
  • 2015    R$ 3,6 bilhões
  • 2016    R$ 1,2 bilhão
  • 2017    R$ 800 milhões
  • 2018    R$ 700 milhões
Fonte: Siga Brasil/Senado Federal

Programas criados ou refundados na gestão Yane Marques
  • Jogos Escolares do Recife
  • Esporte é Fundamental
  • Dançando no Cais
  • Recife Esportes de Rendimento
  • Semana Esportiva Recife
  • Jogos Paralímpicos
Fonte: PCR