JOGOS INESQUECíVEIS » Um "mundão" para chamar de meu No dia 4 de junho de 1972, o Arruda era inaugurado com superlotação e torcedores pulando no gramado

Diego Borges
Especial para o Diario
esportes@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 30/05/2020 03:00

Todo jogo que se torna inesquecível na memória dos torcedores carrega consigo a conquista de um título, um placar memorável, um drible ou um gol antológico. Exceções à ‘regra’, alguns deles se tornam marcantes por alterar o curso da história, ressignificando a trajetória de um clube, de uma torcida, de um bairro, de uma cidade. Como foi o surgimento do estádio José do Rego Maciel, inaugurado no dia 4 de junho de 1972 com um amistoso contra o Flamengo.

E daquele placar final em 0 a 0, restou apenas o detalhe. Os números oficiais de 57.688 pagantes seriam corrigidos no dia seguinte para 62.185, com uma renda de Cr$ 223.834,00 (cruzeiros). Mas pelo menos outras 20 mil pessoas, segundo registros informais do Diario à época, dariam uma ideia de que mais de 80 mil pessoas fizeram parte do primeiro ‘formigueiro humano’ do Mundão do Arruda. Portões de acesso foram quebrados pela multidão, muita gente entrou sem pagar e o estádio ficou superlotado. Centenas de torcedores tiveram que pular para o gramado por conta do aperto nas arquibancadas.

As cerimônias daquele dia começaram desde cedo, com missa celebrada pelo capelão da Polícia Militar, Antônio Alves, e o monsenhor João Barbalho, irmão de Luis Barbalho, um dos três fundadores ainda vivos à época, junto com Augusto Dornelas e Alexandre Carvalho. A cerimônia teve início exatamente às 9h05, por conta de um atraso no microfone. Antes mesmo da bênção final ser proferida “a   fim de que aqui, o público só tenha momentos de alegria e nunca de tristeza”, a ‘algazarra de foguetes’ já rolava solta do lado de fora.

Milhares de tricolores chegavam de toda parte da cidade. Fazer as já tradicionais apostas, comprar bandeiras e outros artigos, e ler a edição especial preparada pelo Diario de Pernambuco à época eram os passatempos até a hora do jogo, que só começaria às 15h. O sistema de iluminação seria inaugurado em um amistoso contra a seleção olímpica brasileira, quatro dias depois.

O então presidente do clube, James Thorp, hasteou a bandeira como primeiro ato, seguido por shows de ginástica artística e desfiles. Nas arquibancadas, bandeiras e balões dividiam as atenções com os diversos tumultos e invasões de campo. A bola do jogo, arremessada de dentro de um avião que sobrevoava, continha assinaturas de todos os jornalistas da equipe de esportes do Diario de Pernambuco à época. E enfim, na hora marcada, foi dado o primeiro pontapé inicial do novo estádio.

A peleja mal começou, e logo vieram as investidas do ataque mais poderoso já reunido na centenária história do Santa Cruz, com quatro dos que são ainda hoje os seus cinco maiores artilheiros. Atrás apenas de Tará (207 gols), juntos, Luciano Veloso (174), Ramón (148), Betinho (143) e Fernando Santana (123) balançaram as redes 588 vezes com a camisa coral. Alheia ao jogo, faziam uma disputa à parte pelo prêmio que seria entregue ao primeiro goleador do novo José do Rego Maciel.

Reunindo as principais referências, exceto pelo lesionado Givanildo Oliveira, o time de Evaristo de Macedo era ‘infernal’ para o Flamengo do técnico Jouber. Sem as estrelas de Paulo César Cajú, Rogério e Rodrigues Neto, convocados, e ainda o lendário Fio - o Maravilha - no banco, sobrava para Moreira, Chiquinho, Tinho e o jovem estreante Vanderlei, sofrer para conter o time da casa. “Cuidado com esse oito (Luciano), olha ele entrando aí”, berrava Jouber. “Vanderlei, cuidado com o ponta (Fernando), esse cara corre muito”, ajudava Fio.

Resistindo à pressão, os cariocas também apelavam para as faltas. Numa delas, veio o único grande lance que chegou a tirar o fôlego dos torcedores, tanto nas arquibancadas quanto nos espaços invadidos ao redor do gramado. Dos pés de Fernando Santana, por muito pouco o goleiro Renato evitou o que seria o ápice da euforia daquele dia.

Um segundo tempo ainda mais morno esperava as equipes, graças à forte chuva que passou a cair e diminuir o desempenho dos atletas em campo. O Flamengo respondia, mas pela cadência do jogo, mas também esbarrava na defesa coral.

Dessa forma, o time rubro-negro já não precisavam mais se segurar ‘do jeito que desse’,o que trouxe maior tranquilidade ao garoto Vanderlei, que mais tarde, no final da década seguinte, trocaria as quatro linhas pela área técnica e começaria a sua jornada para somar a maior galeria de títulos brasileiros como treinador na história, agora ostentando também o sobrenome Luxemburgo.

Aquele domingo, dia 4 de junho, seria apenas o primeiro dos muitos fins de semana de superlotação no ‘Mundão’. Quase meio século depois, o antes pacato bairro do Arruda segue se transformando a cada dia de jogo.
 
Curiosidades

  1. No jogo entre Santa Cruz x Flamengo, um diretor de futebol do clube, à época coronel Josias Vasco, quis ficar com a bola do jogo, autografada pelos repórteres do Diario de Pernambuco. No entanto, acabou “burlado” da ação e recebeu uma outra bola, enchida na hora.

  2. Entre os torcedores presentes na partida, estava o Rei do Baião, Luiz Gonzaga, torcedor do Santa Cruz.

  3. O primeiro gol do ‘novo Arruda’ só foi assinalado na quarta-feira seguinte (7), com Betinho aos 45 do segundo tempo, na vitória tricolor por 1 a 0 no amistoso contra a seleção brasileira ‘de novos’, como era conhecida a equipe olímpica da época. Entre os rivais do time coral, estava o ainda jovem volante Paulo Roberto Falcão.