DIA INTERNACIONAL DO ORGULHO LGBT » Intersexuais ainda lutam por direitos e visibilidade Fim da cirurgia de designação sexual em bebês é uma das reivindicações de quem nasceu com a condição

Marcionila Teixeira
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Publicação: 28/06/2018 03:00

Yumi Lee, 22 anos, começou a sentir-se diferente ainda criança. Na escola, era alvo de abusos por ter uma aparência andrógina. Na cabeça dele, funcionava mais ou menos assim: estava em um corpo de menino, mas tinha um rosto de menina. Até os 18 anos, identificou-se como gay. A vida de Yumi virou de cabeça para baixo ao visitar um médico especialista. No consultório, descobriu ser uma pessoa intersexo, também chamada intersexual.  

O termo intersexo é desconhecido na mesma medida da invisibilidade dessas pessoas. Para se ter uma ideia, somente há três anos a palavra foi incluída na sigla LGBTI+ em virtude da luta da militância. Ser intersexo significa que a pessoa nasce com os órgãos genitais internos ou externos fora dos padrões médicos.

Yumi, por exemplo, tem ovários e testículos. Mas durante muito tempo, não sabia de sua condição. Hoje, luta para ser o que é. Não deseja se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual. “Às vezes me sinto como homem, mas também me sinto como mulher”, explica.

É comum associar intersexos com hermafroditas, mas ter genitais dúbios - com característica de pênis e vagina – acontece a cada dois mil nascimentos. Especialistas dizem que há mais de 40 variações intersexuais, sendo hermafrodita apenas uma delas.

Uma das principais bandeiras de luta da militância intersexual é o fim da cirurgia em bebês. Basta uma autorização dos pais para a criança passar pela intervenção. Mas intersexuais defendem que a pessoa escolha pela cirurgia ou não somente após a puberdade.

O bebê da psicopedagoga e educadora sexual Thais dos Santos, 40, nasceu intersexual. Ainda na gravidez, ela descobriu a condição de Jacob e foi orientada por um médico a abortar porque o filho nasceria uma espécie de monstro, com uma má-formação genital grave. Thais foi em frente com a gestação e viu nascer um filho lindo. Como Jacob tinha um problema cardíaco grave, não recebeu indicação de cirurgia de redesignação na maternidade.

Thais, no entanto, enfrentou outro problema. Não teve direito de sair do hospital com a Declaração de Nascido Vivo (DNV) porque os médicos não quiseram identificar o bebê como masculino ou feminino sem antes ver se o cariótipo correspondia ao de uma mulher ou de um homem. O resultado saiu dois meses depois. “Somente no nascimento do meu segundo bebê, descobri que havia na DNV a alternativa de marcar masculino, feminino ou ignorado. Ou seja, poderia ter saído da maternidade com a DNV de Jacob como sexo ignorado. Sem o documento, não tive sequer direito à licença maternidade”, lembra.

Jacob morreu há um mês. Thais continua a lutar pelo fim da cirurgia em bebês. “Na maioria dos casos, as crianças são operadas para serem do gênero feminino por ser mais fácil, no entanto, há o risco de mais tarde se identificarem com outro gênero”, explica.

União
Em 2015, foi criada a Associação Brasileira de Intersexos (Abrai). O coletivo tem página no Facebook, além de um grupo fechado na mesma rede social. “Por conta da luta da Abrai, a letra I foi incluída na sigla LGBT”, diz Dione Freitas, terapeuta ocupacional e pessoa intersexual. “As pessoas pensam que só existe macho ou fêmea. Além disso, hermafrodita não engloba tubo. O termo foi muito demonizado na Idade Média e muitos foram queimados na fogueira para terem as almas libertas. Na Antiguidade, eram considerados sagrados”, acrescenta.