DIARIO NOS BAIRROS » Os palacetes da Benfica do séc. 19 Os imóveis em estilo neoclássico serviam de casa de veraneio da nobreza pernambucana, que viajava a cavalo da Boa Vista até a Madalena

Publicação: 30/08/2018 03:00

Os sítios onde a nobreza recifense do século 19 veraneava formam uma das ruas mais charmosas do Recife. Os casarões da Rua Benfica, na Madalena, remontam à época dos banhos de rio no Capibaribe, dos jardins vistosos e dos bailes nas varandas. Para relembrar o período, o Diario conta as histórias de seis dos imóveis instalados ao longo da via.

O secretário perpétuo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), Reinaldo Carneiro Leão, explica que os casarões não eram a primeira residência dos negociantes, políticos e senhores de engenho. “Eram casas de verão dessa nobreza, que morava no Centro. Imagine que se deslocar de lá até a Madalena naquela época levava tempo. A cavalo, o trajeto era de aproximadamente uma hora”, ressalta.

A área de moradias do bairro da Boa Vista terminava, junto ao Rio Capibaribe, diante da Ilha do Retiro, que na época pertencia à Madalena. “Desde a atual Praça do Chora Menino, um caminho seguia, hoje Rua do Paissandu, até uma passagem em barco para as terras do Engenho da Madalena”, destaca o arquiteto e urbanista José Luiz Menezes.

Com o engenho sem moer, as terras foram loteadas, o que aconteceu com as de outros engenhos, como o da Torre. “Ao longo da margem do rio, no lado da Madalena, foram sendo construídos, em sítios, vários solares. A maioria era casa de verão de negociantes ou gente de dinheiro. Naquela passagem de barco tem início no século 19, mais ou menos em sua metade, essa ocupação”, afirma Menezes.

Os palacetes eram dotados de jardins, na parte do rio, onde ficavam os trapiches para pegar um barco e ir até o Centro do Recife.  “Os solares são exemplares de uma arquitetura rica em mobiliário e luxo. Mais na direção do bairro da Torre, e depois em outros locais onde antes existiam terras de engenhos, vários solares e palacetes foram sendo construídos. Eram cerca de 80 moradias de luxo. A maioria dessas casas era de gosto neoclássico. Elas inauguraram uma nova maneira de morar, junto a uma natureza com jardins e áreas arborizadas; uma moda à inglesa ou francesa no Recife”, pontua o arquiteto.

Esses solares e palacetes foram estudados e serão descritos detalhadamente no livro Solares e Palacetes da passagem da Madalena, Ponte d’Uchoa, Poço da panela e Apipucos, que será lançado em setembro por José Luiz Menezes. “No livro, são estudadas a origem e os modelos adotados para tais edificações luxuosas”, adianta o pesquisador.
  1. Número 150 (Facepe)
    O casarão onde funcionava a antiga Escola de Belas Artes abriga hoje a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). Duas esculturas de leões, posicionadas ao lado do portão de acesso ao imóvel, foram mantidas. Inicialmente, a faculdade oferecia cursos de arquitetura, pintura e escultura. Depois, foram incluídos, em 1958, os cursos de música e arte dramática. Em 1976, a Escola de Belas Artes de Pernambuco foi extinta para, juntamente à Faculdade de Arquitetura, ao Departamento de Letras e ao curso de Biblioteconomia, formar o Centro de Artes e Comunicação (CAC) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
  2. Número 157 (Centro Cultural Benfica)
    O número 157 da Rua Benfica é ocupado pelo Centro Cultural Benfica, mantido pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde acontecem lançamentos de livros, projeção de filmes, apresentação de peças teatrais, concertos musicais, exposições artísticas. No casarão ocre do século 19 também são realizados cursos, seminários e palestras. É tombado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) desde 1981. O centro abriga três instituições: o Teatro Joaquim Cardozo, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e o Acervo Museológico Universitário, que era da Escola de Belas Artes.
  3. Número 198 (Batalhão de Choque)
    O casarão do número 198, de acordo com o próprio Batalhão de Choque Mathias de Albuquerque (BPChoque), que ocupa o terreno, “pertenceu à família Rosa e Silva, de grande influência política e patrimonial, até o ano de 1950, quando foi adquirida pela Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco. O imóvel pertence à União, mas é cedido em comodato ao governo do estado. Lá também funciona a Escola Municipal Soldado José Antônio do Nascimento. “A faculdade de ciências médicas, que hoje pertence à UPE (Universidade de Pernambuco) foi criada e funcionou por cerca de 30 anos nesse local”, explica o secretário pérpetuo do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), Reinaldo Carneiro Leão.
  4. Número 251 (Blue Angel)
    O casarão neoclássico do número 251 onde funciona o buffet Blue Angel era propriedade de um senhor de engenho e ocupava o número 15 numa localidade então conhecida como “Passagem da Madalena”, onde eram realizadas travessias feitas por balsas. Dados registrados no livro genealógico da família Gomes Leal datam a construção do imóvel ao ano 1860 por Marcelino Gonçalves da Fonte, que o vendeu a Manuel Marques Amorim. Em 1919, a casa foi vendida a João Cardoso Ayres, pai do pintor Lula Cardoso Ayres, que usava como ateliê a ala tipo senzala do local, conservada até hoje. A atual proprietária, Frederika Von Söhsten, alugou o imóvel  ao buffet.
  5. Número 286 (Casarão sarraceno/GGE)
    Único imóvel de estilo sarraceno - uma das formas usada pelos cristãos da Idade Média para designarem genericamente os árabes ou os muçulmanos - no Recife, segundo a placa turística mal conservada afixada em frente ao prédio. A construção foi feita por um moçárabe (como eram chamados os cristãos ibéricos que viviam em território muçulmano) à moda de um castelo do islã. O estilo pode ser percebido nos vitrais coloridos e nos detalhes da fachada, ainda conservados. No começo do século 20, funcionava a Pensão Landy, hotel onde os políticos costumavam reunir-se. Atualmente, é uma das unidades do Colégio GGE.
  6. Número 305 (Instituto Confúcio)
    O sobrado do século 19 no número 305 passou anos abandonado. Em 2017, foi reaberto depois de ser reformado e é sede do Instituto Confúcio Modelo, instituição ligada à UPE voltada para a difusão da cultura e da língua chinesa no Nordeste. Até então, o imóvel sempre havia tido uso residencial. Foi desapropriado pelo governo do estado como contrapartida de dívidas de IPTU. Em maio de 2012, a universidade tomou posse do prédio. Antes disso, a edificação tinha sido alvo de disputa judicial entre herdeiros. O último morador havia transformado o jardim e o quintal do casarão em estacionamento, que foi todo revitalizado.