Uma vila para chamar de minha Diario resgata histórias como a de Eunice, que lutou pela criação da Vila 27 de abril, mais conhecida como Vila das Domésticas. Aos 45 anos, ela descobriu como era ter um lar

texto: Alice de Souza
alice.souza@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 18/08/2018 03:00

Na noite anterior à mudança, Eunice do Monte aproveitou para organizar as roupas que guardava em um quarto com iluminação artificial, uma cama e uma garrafa d’água, em que costumava dormir de segunda-feira a sábado. No fim do dia de trabalho, saiu carregando tudo. Quatro paredes cinzas de cimento fresco a esperavam do outro lado da cidade. No caminho, ela foi tomando consciência. “Eu vivia uma vida escrava e não sabia.” Essa situação estava prestes a mudar.

Pela primeira vez, Eunice teria um lugar para chamar de seu. Desde que havia deixado a casa dos pais para trabalhar, aos 12 anos, passou a viver como profissional em tempo integral na casa dos outros. Voltava para a casa da mãe nas tardes de sábado para passar parte do fim de semana. Nesses momentos, cuidava do filho, brincava com sobrinhos e dormia em um quarto com quatro irmãs. A ausência de cinco dias não se pagava em um e meio. Eunice era uma estrangeira entre sua própria família e até agradecia quando voltava ao trabalho.  

No dia em que entrou no imóvel 17 da Rua B, no Ibura, Eunice entendeu que o que ela “preferia” até então era, na verdade, sua única opção. “Minha casa foi minha liberdade”, constatou. Aos 45 anos, descobriu como era pagar uma conta de água ou luz, e o significado de ir a uma feira. “Eu nunca pensei que seria tão bom ter minha própria casa, minha visão se abriu.” Eunice foi uma das 24 protagonistas de uma histórica luta feminina em Pernambuco, a das domésticas da Vila 27 de Abril.

Era 1989, havia dois anos que um grupo de trabalhadoras lutava pelo direito à moradia no Recife. A mobilização começou após os resultados da pesquisa Quarto de empregada, do Centro Josué de Castro, mostrando que a maioria vivia na casa dos patrões. “Há 40 anos, a população do Brasil era 70% rural e 30% urbana. As mulheres vinham do campo para trabalhar em casas de família e ficavam porque não tinham outra possibilidade de morar nas cidades”, contextualiza a pesquisadora do Instituto Feminista para a Democracia SOS Corpo Carmen Silva.

Divididas em turnos, diante do medo de perder o emprego e sem garantias, iniciaram uma peleja com a Companhia de Habitação de Pernambuco (Cohab) para realizar o sonho da própria casa. Capitaneadas pelo Sindicato dos Domésticos de Pernambuco, iam à frente da sede do órgão, penduravam cartazes e se sentavam para aguardar atenção. Algumas foram atendidas, outras não. Havia dias de esperar da manhã até a noite sem uma resposta. Houve o dia, quase como uma surpresa, em que telefone tocou e a notícia de que 25 das 90 casas de habitação popular em construção no bairro do Ibura seriam destinadas a 24 mulheres e um homem, todos trabalhadores domésticos.