Acerto de contas

por Pierre Lucena
pierre.lucena@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 01/09/2018 03:00

Devemos ser solidários
 
Com a crise gerada pela chegada de refugiados venezuelanos em Roraima, fui buscar os números referentes a este drama. Nada menos que 2,3 milhões de venezuelanos deixaram seu país para tentar algo nos países vizinhos, em função da enorme crise humanitária em que vive o país. Para termos uma noção da crise, temos mais refugiados saindo do nosso vizinho do que entrando na Europa vindo pelo Mediterrâneo.

Nos últimos 18 meses entraram no Brasil 128 mil venezuelanos. Mas a conta fica muito mais dramática quando percebemos que mais de 1 milhão de pessoas foram para a Colômbia ou Equador em situação irregular.

O Brasil vem tentando receber estas pessoas de maneira correta, apesar dos atropelos vivenciados nas últimas semanas, quando venezuelanos foram atacados em Roraima, que vive uma crise humanitária em função da proporção de pessoas que chega em relação à sua população.

Mas independentemente do que estamos fazendo, a pergunta correta a ser feita é: até quando a América do Sul irá assistir passivamente a esta enorme crise humanitária enquanto um regime já em fase ditatorial se instala no país?

Todos os sinais de falta de democracia já foram dados e nada parece mudar o regime de Maduro. Nos últimos anos assistimos a um feroz ataque à democracia e não se fez nada.

O sinal de esfacelamento completo da democracia foi dado quando não se aceitou a eleição dos deputados, já que o partido de Maduro ficou com menos de 1/3 dos assentos. Não satisfeito em não aceitar as decisões tomadas pelo parlamento, simplesmente o extinguiu ao montar uma câmara constituinte apenas com seus correligionários, eleitos sabe lá como.

Mas podia ficar ainda pior. Com o processo eleitoral sendo manobrado e antecipado, o regime de Maduro simplesmente impediu que as candidaturas se registrassem, sobrando apenas candidatos olímpicos. É como se apenas Eymael ou Levy Fidelix pudessem concorrer contra o candidato do Governo por aqui.

Mas a parte mais cruel para a população tem sido a crise econômica. Sem capacidade alguma do ponto de vista fiscal, só sobrou ao Governo cortar 5 zeros da moeda e tentar diminuir um pouco o déficit para evitar que a inflação chegue a 1.000.000 % neste ano.

A indústria, quando não expropriada, foi completamente atingida pela crise e pela dificuldade em obter matéria- prima. A economia venezuelana é completamente dependente do petróleo, mas este parece que não vai resolver suas próprias contas. Praticamente não há voos saindo do país, já que as companhias aéreas abandonaram o destino.

Sempre tentei ler com atenção o caso venezuelano, já que a cobertura imparcial parece ser difícil, mas os números falam por si. Só para termos uma ideia, 7% da população já abandonou o país. Para tornar ainda mais difícil a sensação de terra arrasada no futuro, muitos do que emigraram possuem formação técnica ou superior sólida. Isso tudo vai criando um ambiente hostil à recuperação econômica no futuro.

A verdade é que não há possibilidade de recuperação com este Governo, já que não há a menor confiança do setor privado em investir na Venezuela. Seria preciso muito mais do que cortar zeros na cédula da moeda.

Depois que esta página for virada, caberá ao futuro Governo recuperar a autoestima e trazer os venezuelanos de volta. Já vimos casos muito mais difíceis de recuperação que deram resultado. No fim de tudo, acabamos aprendendo.

Enquanto isso, só cabe ao Brasil recepcionar estas pessoas, já que de certa forma todos os outros países são responsáveis por tudo isso. Além disso, devemos lembrar que somos um país formado por imigrantes que vieram para cá em busca de uma vida melhor. É exatamente isso que acontece com os venezuelanos.