DIARIO NOS BAIRROS » Buiú das galinhas, o menino vencedor A ascensão do comerciante que pedia esmolas aos oito anos para fugir da miséria e que se transformou em referência na feira do bairro de Casa Amarela

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 14/09/2018 03:00

Na feira de Casa Amarela, o coração pulsante do populoso e tradicional bairro, tem Decinho das flores, Sérgio do Peixe, Marquinhos do fiteiro e Buiú. O garoto que se aboletou há quase três décadas na banca de Vadinho das galinhas e conseguiu, aos 8 anos, empurrado pela pobreza, o seu próprio emprego. Buiú, o menino que pedia esmolas, virou Buiú das galinhas. Do bode, do coelho, do guiné. Uma relíquia de comerciante que, em pleno centro urbano, negocia com bichos vivos ou abatidos. Com quem gosta de comida típica do interior ou quem é do candomblé. Admirado, querido e atuante em uma comunidade pobre, Buiú, ou Samuel da Silva, de 36 anos, é o representativo retrato de boa parte de Casa Amarela - feita de cidadão trabalhador.

Ele é de uma família de 12 filhos que passava necessidade no Alto do Capitão. Sem escolha, precisou se virar para não passar mais dificuldade. “Eu era um capetinha e vivia por aqui”. O trabalho com as galinhas deu um jeito nele. Vadinho lhe tomou como um filho. “Buiú é muito organizado e tem gente que o discrimina porque trabalha com galinhas, mas possui uma história de vida muito bonita”, descreveu Decinho ou José Edelson. Decinho não foi o único que apontou Buiú como uma referência para as redondezas.

“Organizado sou mesmo. Tenho meu patrimônio com duas casas, uma em Nova Descoberta e outra aqui, não tenho filho porque não encontrei a mulher ideal para ter. Vivo minha vida sem incomodar ninguém”, diz Buiú, que ganhou o apelido ainda pequeno.  Na banca, situada aos fundos da feira livre, passa o dia recebendo ligações de encomendas.

Todo freguês já sabe que, às quartas-feiras, chegam novos animais dos municípios de João Alfredo, Orobó, Surubim. “De bode, são mais ou menos doze. Galinhas são muitas”, despista, sem querer quantificar. “Eu era lá de baixo. Hoje, como o que quero, visto o que quero e ando de Uber que é até mais barato que carro”, diz, respondendo à reportagem e contando o saldo das galinhas e afins. “Graças a Deus, porque acredito nele e meu foco é nele.”

Todos os dias, Buiú acorda às 7h30, caminha pela Rua Casa Amarela, a poucos metros do mercado, para a rotina diária que se encerra às 18h. Usa o telefone celular para acertar as vendas dos animais e para afinar os detalhes da escalação do Tigre Futebol Clube, fundado em 2013, que agrupa jogadores da Guabiraba, Nova Descoberta, Alto Santa Isabel e outros altos próximos. “Sou o presidente, o técnico e tudo. Boto o time em campo e definimos quem joga porque o padrão tem 30 camisas e nem sempre todo mundo pode. Quando quero jogar, vou às peladas dos outros bairros”, diz. Joga de volante.

Como articulador social, gosta de dar uma atenção especial às crianças do bairro, como ele foi um dia. Todo ano, às vésperas de outubro, começa a cuidar das festividades para comemoração do Dia das Crianças no campo comunitário de cimento que existe ao lado da feira. Por vezes, conta com ajuda de comerciantes locais. Noutras, não. “Eu faço do mesmo jeito porque gosto de dar alegria para eles mesmo”. Escala alguém para ajudar a olhar as galinhas, bodes, guinés e coelhos e vai às compras de bombons, pipocas e outras guloseimas. Desce mãe de tudo que é alto, a família de Buiú colabora - a exemplo da mãe Rosilda e as irmãs Marlene, Cilene e Rosilene - e a festa é organizada de forma colaborativa. “Tenho a maior alegria do mundo”. Brincadeiras e comida para dezenas de crianças em busca de oportunidades.

Samuel da Silva, ou Buiú, é homem de poucos estudos, mas sabe fazer uma conta que só ele. Gosta de dançar pagode, de beber com amigos, jogar futebol, alegrar a criançada. Mas melhor mesmo, diz, é viver em Casa Amarela ao lado da feira. Para ele, não há melhor lugar no mundo que este. Casa Amarela foi o bairro que lhe acolheu, lhe deu amigos e uma vida digna.