DIARIO NOS BAIRROS » Cremosa, uma cabra de estimação Família Apolinário, moradora da Imbiribeira, resgatou cabra abandonada e a adotou ainda bebê; hoje cuida dela oferecendo cuidados e muitas regalias

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 21/09/2018 03:00

Cremosa é uma cabra diferente. Domesticada como um cachorro, tanto que usa coleira para o passeio matinal, mora numa pequena casa da Vila Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Imbiribeira, e é tratada como se fosse gente. Até depressão diagnosticada já teve, depois de sofrer por uma semana com a falta da família Apolinário, que a adotou. Foi quando todos viajaram para o Sertão da Bahia, levaram-na para uma cuidadora temporária em Aldeia e, no reencontro, deram-se conta que a cabra não berrava nem ruminava. Estava  deprimida. Na Universidade Rural de Pernambuco, indicaram-lhe uma sessão de acupuntura. Problema resolvido. Recuperou-se de pronto.

Cremosa é uma cabra que comemora aniversário com bolinho de feno e pedaços de cenouras e tomates. Assim aconteceu na última segunda-feira, data em que se comemorou dois anos de vida dela. Também é convidada para festas de amigas. Universitários da Rural fizeram questão da presença dela na festinha de Sansa, cabra do pasto dos estudantes. Cremosa foi. Virou atração no bairro e na internet. Tem até perfil no Instagram, o @cremoapolinario, onde posa modelando. Em algumas fotos, aparece com roupas.

Cremosa é uma cabra aventureira. Na pasta de documentos dela tem todo os registros de trânsito, espécie de autorização para que seja transportada de carro. Exibe passagens por várias cidades e estados do Norte e Nordeste. No veículo, senta no banco traseiro e usa cinto de segurança. Treinada, avisa quando quer fazer suas necessidades fisiológicas; faz um barulho específico para sinalizar que precisa descer. Hospeda-se em hotéis, na maioria das vezes sem problemas. Só teve um lugar em Castanhal, Belém do Pará, que não a recebeu.     

“Cremosa já foi aceita pela família e vizinhança”, conta Lucilene Oliveira, espécie de avó humana da cabra. Cremosa foi adotada quando era bebê. O mecânico de tratores, Hélio Apolinário, estava com a mulher, Lucilene, e as filhas Heleine e Julieth, em terras paraibanas em uma das tantas viagens que eles fazem juntando trabalho e lazer. Numa estrada de terra, a 25 quilômetros de Caraúbas, ouviram um chorinho. Primeiro acharam que se tratava de um urubu. Mais de perto, perceberam que era um animal em vias da morte. Estava com os olhos feridos. “Mãe do céu, ela está morrendo”, gritou Julieth. A menina apelou para levá-la para casa; o desejo acabou atendido. “Eu ficava pensando: como ela vai sobreviver sem a mãe dela e sem alguém para cuidar?”, conta a menina de 13 anos, que dedica parte do seu dia à cabra, sua versão de bichinho de estimação.

Naquele mesmo dia em que foi achada ao relento, a família Apolinário arrumou uma mamadeira para Cremosa e tratou de comprar leite de gado para recuperá-la. Julieth tem fotos de Cremosa em várias fases de vida e guarda o umbigo caído. Corta os casquinhos, como faria com uma criança de dois anos. Ainda que contrariando a orientação de veterinários, que aconselham manter a alimentação dela à base de capim, seu Hélio mantém o luxo até hoje e compra leite de gado para a cabra, chamada carinhosamente em casa de Cremosinha, Crema ou sebinho. Ela toma as vacinas anuais recomendadas pelos especialistas.

Cremosa é uma cabra obediente. Passa o dia na varanda, ao lado de um robusto feno, esfrega-se no sofá ao longo do dia. Treinada, faz xixi no banheiro da família e dorme tarde. “Quando Hélio chega, quando ganha o leite e vai para o lugar dela, que é junto do fogão”. Ali, dorme em silêncio por volta das 22h. Só faz barulhos estranhos e incômodos de três em três meses quando entra no cio, diz Lucilene, com quem Cremosa vive um “caso de amor e ódio”. “Minha casa nunca mais foi a mesma. Vive desarrumada e ela rói tudo que é fio”, conta Lucilene. Se a suposta tia, a jovem Heleine, chega das aulas da faculdade em outra cidade, a cabra reconhece e muda o comportamento, ansiosa.

Crescida, cremosa adquiriu preferências alimentares. Ama folhas de jaca e aroeira. As vizinhas colaboram com a alimentação, por vezes. Acostumaram-se com ela. Quase todos os dias Julieth é vista pela área da vila; ela desce o sobrado onde mora para dar uma volta com a sua cabra de estimação. Ali na Vila Nossa Senhora de Fátima, que parece o cenário perfeito para Cremosa viver dentro de uma área urbana. A vila é um recôncavo interiorano construído há décadas e localizada atrás da área mais comercial da Imbiribeira, no entorno da Avenida Mascarenhas de Morais.

Julieth brinca com Cremosa e tem uma conexão emocional com a cabra. Ela joga brinquedinhos e a cabra pega. Os amigos de Julieth sabem da existência da cabra e se divertem com o ineditismo. As professoras de Julieth não concordam, diz a mãe, Lucilene, mas a opinião não é considerada. A família Apolinário acha que Cremosa gosta do convívio. Já tentaram doar a cabra, mas a mulher que a recebeu a trouxe de volta no dia seguinte dizendo que o animal choramingou a noite inteira.  

Cremosa é tratada como parte da família. Quando teve um senhor que ofereceu R$ 1.500 por Cremosa numa feira, seu Hélio perguntou: “Você venderia sua filha?”. Quando outro propôs que a matassem para fazer guisado, retrucou: “Você mataria sua filha?”. Cremosa vive bem. Até bênção de padre católico ela teve. “Disseram que um padre faria uma missa para os animais lá em Casa Forte. A gente chegou lá e só tinha gato e cachorro. Mas se tem gato e cachorro por que não cabra?”, pergunta Lucilene. Por que não?