Enfrentamento da cultura de fracasso escolar

Ítalo Dutra
Chefe de Educação do Unicef no Brasil

Publicação: 18/05/2019 03:00

Os meses iam passando, e José ficava para trás. Sem aprender, o menino caminhava para mais uma reprovação. Já tinha 14 anos e continuava no 4º ano do Ensino Fundamental. Os colegas progrediam e ele continuava ali, em uma turma de crianças cada vez mais novas, ouvindo as mesmas aulas, sem aprender. Até o dia em que ele desistiu.

No Brasil, histórias como a de José são mais comuns do que gostaríamos. Estamos imersos em uma cultura que aceita e naturaliza o fracasso escolar, em geral culpando o estudante por não aprender e achando natural que ele seja reprovado diversas vezes até deixar a escola.

A cultura do fracasso escolar tem como base a premissa equivocada de que a reprovação é uma boa estratégia de aprendizagem. O estudante fica retido em uma etapa de ensino e assiste, novamente, aulas que já não fizeram sentido no ano anterior.

Repetir a mesma estratégia e esperar resultados diferentes não funciona em nenhuma ciência. E não dá certo em Educação. Já é sabido que a primeira reprovação aumenta a chance de uma segunda, em um ciclo que muitas vezes leva ao abandono escolar.

Mudar de estratégia e acabar com o fracasso escolar é urgente. Há, no país, mais 7,2 milhões de meninas e meninos com mais de 2 anos de atraso escolar, em risco de evadir. O problema afeta, principalmente, adolescentes negros, de famílias com renda baixa, meninas e meninos LGBT, indígenas e quilombolas. Ou seja: os mais vulneráveis, muitas vezes já privados de outros direitos constitucionais, são os que mais sofrem com a cultura de fracasso escolar.

Para reverter esse cenário, é preciso uma mudança de perspectiva. Sim, toda criança e todo adolescente pode (e tem direito de) aprender. E cabe à escola, à gestão pública e à sociedade como um todo não deixar ninguém para trás.

A boa notícia é que existem experiências exitosas no país. O Unicef vem coletando essas práticas e aprendeu algumas coisas que elas têm em comum. Um ponto essencial é ir além dos muros da escola. Muitos desafios enfrentados por meninas e meninos estão fora da sala de aula. É preciso, então, apostar em uma abordagem intersetorial, que envolva diferentes setores e serviços, a comunidade e os próprios estudantes no território.

Outro ponto fundamental é repensar a escola. É hora de criar um ambiente favorável à aprendizagem, em que as diferenças sejam respeitadas e valorizadas. Um ambiente em que não haja racismo, sexismo, homofobia ou transfobia. Um lugar em que cada menina e menino seja olhado em sua individualidade e ninguém seja deixado para trás. Ou seja: uma escola que acredite, de verdade, que toda criança e adolescente têm o direito de aprender.