Mulher-casa faz alerta sobre isolamento No bairro do Ipsep, educadora tomou para si o desafio da conscientização e se transformou numa super-heroína com a missão de salvar vidas

MARIANA MORAES
mariana.moraes@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 27/05/2020 03:00

“Estava um silêncio absoluto. De repente, ouço um barulho vindo da rua e pensei ‘eu conheço essa voz’. Minha mãe desceu que eu nem vi. Quando olhei pela janela encontrei ela vestida de casa e com um microfone”, diz Arielle Pinheiro, filha da educadora Lúcia Machado, 69 anos, que encontrou um jeito descontraído de pedir aos seus vizinhos que respeitem a quarentena. Fantasiada com uma caixa de papelão, ela circulou pela Rua Leonardo da Vinci, no Ipsep, dando informações sobre a pandemia da Covid-19. A cena inusitada foi filmada por amigos de Lúcia e viralizou na internet.

A ideia surgiu após a educadora presenciar aglomerações perto de casa. “Domingo passado tinha muita gente na rua. Moças e rapazes fazendo uma festa. Todos sem máscaras. Também acontecem cultos. Fiquei matutando sobre como faria para o povo se conscientizar”, relembra. “Olhei para uma caixa vazia, que antes estava cheia de brinquedos para doação. Meu neto João gostava de brincar com ela e entrou na caixa, eu falei ‘não estou vendo o teu rosto, deixa eu fazer um buraco’. Quando cortei achei parecido com uma janela. Montei um telhado e João desenhou e colou as portas e placas escritas ‘Fique em Casa.’ Fiz buracos para os meus braços, vesti a casinha e fiz sapatos de caixa também.”

Lúcia mora no bairro há 30 anos. A professora de reforço, ajudou a alfabetizar muitos filhos de seus vizinhos, além de participar e organizar festas de Natal e São João. “Saio de casa vestida de Mamãe Noel em dezembro, em junho faço palhoças com casamento e tudo. Quando fui para a rua fantasiada de casa, ninguém achou estranho, perguntavam se eu já estava enfeitando caixas de presente pro Natal. Mas se surpreenderam quando liguei o microfone que uso pra dar aula e comecei a falar ‘passe álcool na mão’,  ‘coronavírus não tem remédio, a cura só vem se ficar em casa.’”

Por meio da internet, a mensagem conseguiu se espalhar pelo mundo. “Repercutiu tanto que fiquei feliz. Até na Itália eu fui parar. Soube de amigos que me viram na França e Irlanda também” comenta Lúcia. “Eu só deixo a minha casa para descer com o lixo, é o meu passeio agora. Por isso que estou com uma sacola na mão nas imagens, aproveitei que tinha que ir à rua para andar o quarteirão tentando passar a mensagem para os meus vizinhos.”

De acordo com Lúcia, a ideia foi muito bem recebida pelos moradores de Ipsep, bairro que contabiliza 74 casos e 13 óbitos por coronavírus. “No dia que saí não paravam de chegar mensagens no WhatsApp me parabenizando. A gente só vê nas redes sociais notícias sobre morte e infectados, acho que trouxe um pouco de alegria”, comenta.

LIVE
Em meio ao isolamento, Lúcia tenta se divertir como consegue. O período de reclusão a fez aprender um novo hobby e o gosto pela música.

“Eu tinha um violão, mas não sabia tocar nada. Hoje até arranho um sambinha. Já marquei uma live com meus sobrinhos, cada um vai tocar o trecho de uma música de suas próprias casas”. A canção escolhida é Samba de oração, de Vinícius de Moraes e Toquinho, para servir de acalento para os dias difíceis e combinar com o sorriso que a professora sempre traz no rosto. “A música é linda e diz assim: ‘É melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe’”, cantarola a professora.  

Com o sucesso da ação, a idealizadora afirma que colocará a casinha na rua um final de semana sim e outro não, enquanto durar a quarentena - ou até quando os vizinhos teimarem em sair de suas casas para fazer festas. Sempre aproveitando o momento de descer com o lixo e utilizando equipamentos de proteção individual, é claro. “Quanto mais a gente ficar em casa, mais rápido essa situação vai acabar. O mundo já passou por outras pandemias, vamos vencer mais essa.”