Um ato por justiça e solidariedade Familiares e manifestantes se uniram para pedir providências pela morte de Miguel Otávio Santana da Silva, que caiu do nono andar de um prédio no Recife

Diogo Cavalcanti
Emannuel Bento
Especial para o Diairo
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Publicação: 06/06/2020 03:00

“Justiça para Miguel”. A frase, autoexplicativa, deu o tom da manifestação pacífica que ocorreu na tarde da sexta-feira, em memória do menino Miguel Otávio Santana da Silva. A criança, de 5 anos, morreu na última terça, após cair do edifício Píer Maurício de Nassau, que integra o condomínio de luxo popularmente conhecido como Torres Gêmeas, no bairro de São José. Miguel estava sob os cuidados de Sarí Côrte Real, patroa de sua mãe, Mirtes Renata de Souza. Segundo a Polícia Civil, Sarí foi negligente em não ter cuidado do menino na ausência da mãe, e foi indiciada por homicídio culposo.

Familiares, amigos, vizinhos, ativistas políticos e desconhecidos, solidários à dor da família, marcaram presença. O distanciamento social foi respeitado e os manifestantes, entre máscaras e protetores faciais, seguravam cartazes e gritavam frases como “Não foi acidente”, “Queremos justiça”, “Ei, madame, aprende a lavar louça” e “Justiça para Miguel” - esta última que virou um dos termos mais mencionados da internet desde a morte de Miguel. O corpo do menino foi velado no distrito de Bonança, vinculado ao município de Moreno, na Região Metropolitana do Recife, onde a mãe cresceu.

Por volta do meio-dia, começaram a chegar as primeiras pessoas na frente do Píer Maurício de Nassau, que depositaram uma coroa de flores, velas e mancharam com detergente vermelho a entrada do prédio, em referência a sangue. No entanto, a concentração do protesto foi na Praça da República, em frente à sede do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), e seguiu em caminhada até o prédio onde o menino morreu.

“Ela (a Sarí) era uma pessoa na qual a nossa família confiava. Meu primo morreu e isso não pode ficar impune. R$ 20 mil não paga a vida do meu primo, não paga a vida de ninguém. Deus deu a vida a nós e ninguém tem direito de tirar. Por isso precisamos do apoio de todo mundo porque a dor é muito grande”, desabafou Amanda Souza, prima do menino Miguel. Ela foi uma das organizadoras do ato, além de ter sido uma das primeiras a denunciar o caso nas redes sociais. “Muitos disseram que Miguel não tinha família, mas ele tem. Estamos aqui fazendo justiça por ele. Somos unidos”. Ela afirmou que todos os parentes estavam fazendo um esforço anormal para se fazerem presentes.

A pista do Cais Santa Rita, em frente ao edifício, foi tomada pelo grupo por volta das 14h50. A mãe de Miguel, Mirtes Renata, não conseguiu ir até a manifestação. Após dar entrevista para o programa Encontro, da TV Globo, na manhã da sexta, pediu reserva, para poder conversar com seu advogado. Já a avó de Miguel, Marta, e o pai, Paulo dos Santos, foram para o protesto, além de três tias e uma prima.

“Eu achava que era uma pessoa fraca, mas agradeço a Deus por estar aqui hoje. Creio que Jesus vai nos ajudar. Com a força de todas as pessoas daqui, do Brasil inteiro, vamos fazer justiça pela morte de Miguel, para que não fique impune”, comentou a tia do menino, Patrícia Souza. “Nós não esperávamos essa repercussão toda. Eu agradeço de coração e só peço justiça por meu neto. Eu espero que essa situação mude, porque pagar fiança após um caso desses é como um suborno, na minha opinião”, resumiu a avó, Marta.

Francleide, uma das tias, disse que Sarí chegou a telefonar para Mírtes pedindo desculpa. “Ela admitiu que ia ser presa. E por que ela não foi presa? Por que ela não teve paciência de cinco minutos para esperar a minha irmã? Ela chegou a ir ao velório, mas colocaram ela para correr”. A irmã da mãe do menino também afirmou que a família foi pega de surpresa com a informação, veiculada pela imprensa na noite da quinta-feira, de que Mirtes Renata de Souza constava como servidora da Prefeitura de Tamandaré. A avó disse que o assunto só podia ser tratado com o advogado.

Líderes de movimentos sociais, instigados pelo simbolismo do caso, também estiveram presentes. Linda Ferreira, do Coletivo de Entidades Negras (Conem). “Ele era filho de uma empregada preta e foi colocado no elevador de serviço. O grito desse protesto também é pelos filhos de outras mulheres negras que perderam seus filhos, seja pela ausência do direito ou da omissão do estado”, disse a ativista.

“Mais de 40 entidades marcaram presença aqui, entre advogados, diversos  sindicatos, segmentos sociais, população negra e não negra. É um momento em que a sociedade precisa entender a reação do oprimido em resposta ao racismo estrutural. Nenhum valor traz uma vida de volta”, disse Jean Pierre, líder do Movimento Negro Unificado.

Os moradores do Píer Maurício de Nassau também manifestaram solidariedade. Alguns colocaram tecidos - como toalhas ou lençóis - pretos na janela de suas casas. Na sacada do prédio, colocaram uma faixa preta, com os dizeres #JustiçaPorMiguel. Os manifestantes se sentaram no chão e deram uma salva de palmas.