Falta de contato com a família foi a pior parte no auge da "guerra"

Publicação: 17/10/2020 03:00

O médico Genes Cavalcanti, 41, coordenador da emergência de adultos do Real Hospital Português, relata que a falta de contato com a família foi uma das coisas mais difíceis enfrentadas por ele durante a missão de enfrentamento ao coronavírus. O profissional chama a Covid-19 de doença da solidão.

“Essa solidão se estendeu aos nossos familiares também. Porque apesar de estarmos trabalhando normalmente, nos afastamos dos nossos familiares. Diversos profissionais continuaram trabalhando, mas quando voltavam para casa não tinham mais a esposa, o filho. E ainda aqueles que saíam de casa para não gerar risco para a mãe, que era debilitada. Por isso que digo, entre aspas, que a Covid é uma doença da solidão”. A esposa e filhos do doutor Genes passaram dois meses fora de casa.

“A volta da minha família para casa foi fundamental. Para eu conseguir aguentar até agora essa pandemia que ainda não acabou. Se eles não tivessem voltado para casa, não teria condições e não teria dado certo”, pontua. Mesmo estando na linha de frente no combate à doença o doutor não foi acometido pela Covid-19. Para ele, fazer o básico é primordial quando se fala na cura do paciente. “A maior lição para mim da Covid é que não há remédio mágico ou solução única e miraculosa. O que a gente viu que fez resultado nas UTIs e também para primeiro atendimento na emergência foi o básico e bem feito”.

O comprometimento dos médicos e de todos os profissionais de saúde que se colocam muitas vezes numa posição de insegurança é avaliado pela médica obstetra Cláudia Beatriz Andrade, 51, que é presidente do Sindicato dos Médicos de Pernambuco. “Nunca nos furtamos de cumprir com aquilo que nós assumimos como missão, como trabalho, como uma causa, que é atender dignamente os pacientes. Então a pandemia mostrou o lado mais humano e mais solidário da categoria médica nesse cenário. Porque todo mundo estava diante do desconhecido. O médico é um ser humano como outro qualquer. Ele tem sentimento e ele tem sua família, e ele teve que romper. Teve que superar as barreiras do medo, da insegurança”, afirma.

“Se éramos heróis antes, como sobreviventes desse Sistema Único de Saúde, a pandemia mostrou o que é ser médico, esse elo, esse herói mesmo, que não usa capa e que muitas vezes não somos reconhecidos por nossos empregadores. E ainda uma parcela que confunde o médico como o provedor de um sistema, que ele não é”, opina.