Mudas da Mata Atlântica em laboratório Mais de 50 espécies de um dos biomas com a maior biodiversidade do planeta são cultivadas no Cetene, no Recife. Ecossistema está ameaçado: só resta 12%

Guto Moraes
especial para o Diario
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Publicação: 27/05/2022 03:00

Pelo menos cinco anos são necessários para a semente da macaibeira (Acrocomia aculeata) germinar. É que essa espécie depende de condições propícias para brotar e tem, dentre seus maiores desafios, o embrião envolto em uma semente rica em óleo. Com a ajuda da ciência, entretanto, a palmeira nativa do Brasil levou apenas três semanas para desenvolver sua plântula. No Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (Cetene), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), sediado no Recife, ela e outras 56 espécies são cultivadas diariamente pelo Projeto Mata Atlântica. Uma iniciativa comprometida com ações de reflorestamento do bioma ameaçado e celebrado nacionalmente hoje.
 
No Laboratório de Pesquisas Aplicadas aos Biomas, do Cetene, os cientistas encontraram no uso exclusivo do gérmen uma chance de garantir o desenvolvimento da espécie, induzindo a germinação e ganhando tempo para colaborar com iniciativas de reflorestamento. A técnica utilizada foge à lógica convencional. No chamado cultivo in vitro, não apenas sementes, mas outros fragmentos da flora tropical se desenvolvem em potes de vidro e tubos de ensaio. Nela, a terra cede lugar à cultura de tecido, um gel rico em hormônios e outros nutrientes, e a luz solar é substituída pelos raios artificiais das lâmpadas de LED brancas.
 
Em 10 anos, já foram produzidas mais de 15 mil mudas. No entanto, a capacidade desse “berçário” é de 40 mil plantas, por ano. “O número de iniciativas comprometidas com a recuperação de áreas desmatadas ainda é pequeno. Um entrave para a produção e escoamento dessas produções. Embora a necessidade de investimentos para a recuperação do bioma seja urgente”, aponta a bióloga Laureen Houllou, criadora do projeto. Segundo dados da ONG SOS Mata Atlântica, dos 1,3 milhão de quilômetros quadrados dos ecossistemas que compõem o bioma no Século 16, apenas cerca de 86 mil continuam de pé, em áreas isoladas e descontínuas. Ou seja, 12%.
 
O projeto vai, assim, ao encontro do cumprimento do Art. 225, da Constituição Federal, que defende o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. No laboratório do Cetene, cada estante comporta pelo menos 1.200 mudas, um número suficiente para reflorestar até 1 hectare de terra. Ao todo, são seis estantes. Quando todas estão cheias, elas dão conta de uma área de seis hectares, o correspondente a um território de 60 mil metros quadrados. Se em um ano as 40 mil mudas tivessem escoamento, esse número seria ampliado para mais de 330 mil metros quadrados.
 
Para o gestor ambiental Erik Bussmeyer, pesquisador bolsista do Cetene, o impacto da devastação da Mata Atlântica ao meio ambiente e à vida humana é incalculável. “Junto da floresta são extintos ecossistemas importantes à manutenção de territórios, como animais que cumprem funções cruciais para a preservação do próprio bioma, além da proteção de nascentes e rios, a saúde e conservação do solo, a produção de oxigênio, a manutenção do clima e tantos outros elementos”, detalha Bussmeyer, que lança o apelo ao envolvimento da iniciativa privada em ações de reflorestamento de um dos biomas com a maior diversidade biológica do planeta.