DP+SAúDE » Cirurgia dentro do útero pode garantir mobilidade Mielomeningocele é uma condição que atinge um em 1.000 bebês nascidos e, se não tratada, pode deixar sequelas motoras e prejudicar o controle da urina e fezes

Fernanda Bassete

Publicação: 20/11/2023 03:00

Depois de sofrer quatro abortos espontâneos, a médica veterinária Lais Gontijo, de 36 anos, engravidou novamente. Ao completar 16 semanas de gestação, com tudo transcorrendo como o esperado, a gestante marcou uma nova ultrassonografia. Ela queria filmar o exame para registrar a confirmação de que o bebê era uma menina. Era apenas mais um exame de rotina, mas logo no começo veio a surpresa: Donna tinha um defeito na coluna chamado mielomeningocele. Trata-se de uma malformação congênita que, se não diagnosticada e não tratada corretamente, pode afetar os movimentos da criança e o controle da bexiga e do intestino.

“A primeira pergunta que eu fiz é se ela ia morrer”, lembra Gontijo. O médico respondeu que não, mas alertou que o tratamento deveria ser feito o quanto antes em São Paulo (Gontijo morava em Goiânia), com uma especialista em medicina fetal.

Em São Paulo, o diagnóstico de mielomeningocele foi confirmado. A melhor opção naquele momento seria fazer uma cirurgia intrauterina para corrigir o problema e fechar o buraquinho na coluna. E foi o que Gontijo fez: no dia 11 de março de 2019, com 27 semanas de gestação, ela foi para o centro cirúrgico operar a coluna de Donna. A cirurgia durou cerca de cinco horas e foi bem-sucedida. Donna nasceu em maio.

A CIRURGIA
Existem basicamente dois tipos de cirurgia intrauterina: uma chamada de céu aberto, em que é feito um corte na barriga da mãe, o útero é retirado para fora e o bebê é operado. Há um risco de ocorrer parto prematuro e, após o procedimento, o parto necessariamente deverá ser por cesárea.

No caso da fetoscopia (técnica Safer) desenvolvida pelo Einstein, a barriga recebe quatro furinhos e a cirurgia no bebê é guiada por uma microcâmera. Também há risco de parto prematuro, mas pode ser por via vaginal.

Segundo Lapa, a técnica Safer usa um bioestimulador nacional para auxiliar no fechamento da coluna e possibilita que, com a correção do defeito, a motricidade presente no momento da cirurgia se mantenha. De acordo com a médica, ao se operar depois de nascer, somente 20% das crianças vão conseguir andar. Operando ainda no útero, pelo menos 50% delas vão caminhar normalmente.

Em dez anos desde que a técnica foi desenvolvida, a obstetra já operou quase 200 bebês dentro do ventre – somente um faleceu, por ter outros problemas de desenvolvimento. “Esses bebês operados precocemente certamente terão ganhos importantes para o seu desenvolvimento. Por isso chamamos a malformação de ‘nova mielo’, porque o prognóstico hoje é totalmente diferente de décadas atrás”, afirmou.

Gontijo e Donna são a prova disso. Donna surpreendeu as expectativas: engatinhou com quase nove meses e passou a sentar sozinha com cerca de seis meses. Com 1 ano e 5 meses, começou a fazer fisioterapia porque ela ficava em pé, mas não dava passinhos – poderia ser medo ou algum atraso mesmo. “Com 43 dias de fisioterapia ela andou sozinha. Foi a maior alegria do mundo. Aí ninguém mais segurou”, conta a mãe.

A outra preocupação da veterinária era com o desfralde da filha – ela tinha medo de Donna ter alguma sequela relacionada ao controle da urina e das fezes. Mandou a filha para a escola com 3 anos e meio ainda usando fraldas. “A primeira vez que Donna me avisou que queria fazer xixi eu queria soltar foguetes. Conto nos dedos quantas vezes ela fez xixi na cama”. (Agência Einstein)