Por trás da parede
Crimes com o recurso do emparedamento, tema central do romance do escritor Carneiro Vilela e inspiração para a minissérie Amores roubados, é recorrente, na arte e na vida real
Fellipe Torres
fellipetorres.pe@dabr.com.br
Publicação: 12/01/2014 03:00
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Toda ficção reinventa, com poucas ou muitas variações, histórias já reproduzidas. No conto O gato preto, de 1843, Edgar Allan Poe narra o episódio de um homem ao tentar golpear um felino a machadadas. Ao impedi-lo, a esposa causa um acesso de fúria e se torna a vítima. Cai no chão com a arma cravada na cabeça rachada. Rapidamente, o protagonista busca soluções para esconder o corpo, até decidir emparedá-lo na adega da casa, “como faziam os monges da Idade Média”. Três anos depois, em 1846, Poe publicaria o conto O barril de Amontillado, no qual um homem é emparedado vivo.
Se a maneira de ocultação do cadáver soa familiar, você pode estar se lembrando de algum outro livro, filme, peça teatral, programa de televisão, ou até casos verídicos noticiados pela mídia (leia ao lado). Nas obras ficcionais, a clausura entre paredes já temperou, entre outras, a ópera Aida (1871), de Giuseppe Verdi, romances como As duas emparedadas (1869), de Vicente Riva Palacio, e A emparedada da Rua Nova (1909), do pernambucano Joaquim Maria Carneiro Vilela.
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Edgar Allan Poe já tratava do tema em 1843, no conto O gato preto |
O romance-folhetim inspirou a minissérie Amores roubados, atualmente em exibição pela Rede Globo, com roteiro do também pernambucano George Moura. Diferentemente do livro, em vez de se passar no Recife do século 20, a história foi recauchutada para o Sertão dos dias atuais, onde a modernidade divide espaço com alguns “conceitos arcaicos de honra e moral”, nas palavras de Moura.
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Em um dos episódios de CSI: Las Vegas, os forenses procuram cadáveres em paredes |
Outro programa a contar história semelhante (mas nem tanto) é Supernatural, conhecido pelos personagens caçadores de demônios e outras criaturas. Em um dos episódios da sexta temporada, o espírito de uma traficante de drogas aparece para uma detetive e avisa que o próprio corpo havia sido despejado entre blocos de concreto. Para ela finalmente “descansar”, o cadáver precisaria ser queimado.
Essa dobradinha emparedamento e aparições sobrenaturais já havia marcado o filme Ecos do além, de 1999. Na história de terror, Tom Witzky (Kevin Bacon) é assombrado pelo fantasma de uma garota morta. Também no cinema, mas em uma produção menos macabra, o curta-metragem pernambucano Entre paredes, de Eric Laurence, é estrelado por Hermila Guedes, cuja personagem é emparedada viva pelo marido.
Crimes
Casos verídicos de emparedamento
Maio de 2001
Em São Paulo, um pintor de 46 anos esquartejou a mulher, que trabalhava como manicure e tinha 40 anos. A polícia encontrou o corpo da vítima em um saco plástico escondido dentro da parede da cozinha.
Setembro de 2009
A uma semana do próprio casamento, a estudante de medicina Annie Le, de 24 anos, foi encontrada no interior das paredes do local onde trabalhava, em Connecticut, Estados Unidos.
Julho de 2013
Em parede falsa de uma casa em Poughkeepsie, a 100 km de Nova Yorque, nos EUA, foi encontrado o esqueleto de Joann Nichols, desaparecida aos 55 anos em 1985. Os restos mortais estavam amarrados com corda e envolvidos num saco plástico.
Outubro de 2013
Desaparecida há cinco anos, Sigrid Paulus foi encontrada morta e emparedada em uma casa na Alemanha. O marido confessou ter estrangulado a mulher em fevereiro de 2008, no meio de uma briga conjugal.
Os adaptados
Fiel
Muito antes da série Amores roubados, o folhetim de Carneiro Vilela já havia sido levado a vários palcos, em pelo menos duas montagens teatrais. A emparedadada, de Cláudio Aguiar, buscou se manter fiel ao texto original. Entre os ajustes inevitáveis, o enxugamento dos quase 100 personagens e a reescrita para privilegiar elementos visuais, sobretudo cenários.
Livre
Integrante do primeiro elenco, o ator e diretor Jorge de Paula vislumbrava mais liberdade para o roteiro, de maneira que não ficasse tão “amarrado” ao livro. Assim surgiu O amor de Clotilde por um certo Leandro Dantas, peça “livremente inspirada” na obra, e também no romance O assassino da honra ou A louca do jardim, de Caetano Cosme da Silva. “Buscávamos uma dramaturgia para contemplar a atmosfera da época, e não adaptar livros. Aliás, a personagem na peça nem chega a ser emparedada”. A não-emparedada, no caso, é a atriz Iara Campos, que considera a montagem uma paródia. “Aproveitamos o melodrama clássico e as encenações circenses. No romance, há tragédias, as pessoas ficam loucas, morrem. Na peça, há final feliz”.
Reedição
A emparedada da Rua Nova segue uma fórmula que consagrou o livro em seu tempo, e até hoje provoca leitores. Segundo Anco Márcio Tenório Vieira, professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFPE, a fórmula repete os elementos:
Estrutura de romance policial;
Figura de um sedutor compulsivo, ao modo de Don Juan;
Crimes;
Infidelidade;
Descrições minuciosas do cotidiano social, político, religioso e dos preconceitos sociais, linguísticos e de raça do seu tempo.
Serviço
A emparedada da Rua Nova,
de Carneiro Vilela
Editora: Cepe
Preço: R$ 45 (papel) e R$ 27 (e-book)