Amor dos mortais O Correio/Diario revela com exclusividade carta de Raul Seixas à quarta esposa, Kika. O texto é de 1989, ano em que o roqueiro morreu

GABRIEL DE SÁ
edviver.pe@dabr.com.br

Publicação: 21/08/2014 03:00

Raul Seixas e Kika, na Chapada Diamantina, em 1980: foto inédita cedida pela ex-companheira do roqueiro (ARQUIVQUIVQUIVOPESSOAL)
Raul Seixas e Kika, na Chapada Diamantina, em 1980: foto inédita cedida pela ex-companheira do roqueiro

“Confesso: chorei de saudades suas hoje, ao ouvir as fitas de Elvis que você me mandou. A minha solidão aqui ultimamente tem sido dolorosa, mas que jeito? Eu desejava estar com você e nossa filha.” Raul Seixas escreveu essas palavras em carta endereçada a Kika, quarta companheira e mãe de sua terceira filha, Vivi. Eles estavam separados desde 1985, e o roqueiro relacionou-se com outra pessoa entre o término com ela e aquele 27 de janeiro de 1989, data do texto entregue com exclusividade pela ex-mulher do cantor e compositor ao Correio/Diario.

Raul morreria meses depois (21 de agosto de 1989), há exatos 25 anos, e o tom da carta deixa transparecer uma melancolia comovente. “Mais do que ninguém, você sabe o quanto o destino tem me castigado”, escreveu o baiano, à mão. “Nunca esqueci vocês, mesmo nos maus momentos, e hoje mais do que nunca lhe desejo”. Apesar da aparente tristeza, o autor de Maluco beleza, Metamorfose ambulante e Ouro de tolo, ícone da música brasileira da década de 1970 em diante, se dizia animado com a possibilidade de gravar um novo disco.

“Foi muito dramático o final dele”, lamenta Kika, hoje. Raul havia participado de programa de TV em dezembro de 1985 e, até o encontro com o também roqueiro baiano Marcelo Nova, estava ocioso, entregue ao álcool e às doenças que culminariam na morte, diabetes e hepatite. Em setembro de 1988, Raul e Marcelo começaram  turnê de cerca de 50 shows pelo país. Juntos, lançaram o disco A panela do diabo.

“Todos esses últimos shows de Raul eram, na verdade, do Marcelo, que estava resgatando o Raul. Ele estava desacreditado”, conta Sylvio Passos, presidente do primeiro fã-clube oficial do artista, o Raul Rock Club, fundado em 1981. “Raul inchou e as pessoas, maldosamente, diziam que era por causa da pinga. Mas era pela quantidade de remédios. Apesar da debilidade física e da depressão, a cabeça sempre esteve a mil. E mantinha o bom humor”, diz Sylvio.

Raul Seixas conheceu Kika quando ela tinha 27 anos, em 1979. A moça trabalhava na mesma gravadora pela qual o roqueiro lançou alguns discos. Da união, nasceu Vivian, hoje DJ profissional, com 33 anos. Raul teve outras duas filhas dos dois primeiros casamentos. Mesmo após a carta, Kika e o cantor não voltaram a se relacionar. “Sinto sua falta, sua companhia, seus carinhos… Desde setembro, deixei Lena (a quinta companheira). Estou sozinho. Não esqueço você. Vamos envelhecer juntos”, pediu o roqueiro. Raul tinha 44 anos quando partiu.

Por ocasião dos 25 anos de morte, foi gravada na terça-feira nova edição do projeto Baú do Raul, comandado por Kika. Artistas como Plebe Rude, Marcelo Nova, Nação Zumbi, Nasi e Maria Gadú cantaram clássicos de Raul na Fundição Progresso, no Rio de Janeiro, e o registro será lançado em CD e DVD neste ano.

Kika adianta também que a família autorizou a produção de filme de ficção sobre a vida de Raulzito, e musical, no estilo ópera rock, a ser lançado em 2016. Sylvio está disponibilizando as gravações de shows inéditos de Raul, de 1974 e 1981. Batizados de Eu não sou hippie e Isso aqui não é Woodstock, mas um dia pode ser, respectivamente, os dois CDs serão lançados em caixa com outros quatro trabalhos pela Eldorado. “É o maior presente que eu posso dar ao público”, crê o presidente do fã-clube.

Toca Raul!

O Ecad divulgou um ranking com as mais tocadas e gravadas do ídolo:

As 5 mais tocadas nos últimos cinco anos

Maluco beleza
Tente outra vez
Metamorfose ambulante
Aluga-se
Gita


As 5 mais gravadas do cantor na história

Medo da chuva
Gita
Se ainda existe amor
Maluco beleza
Metamorfose ambulante

Maluco em inglês

“Você não faz ideia do que a gente acabou de fazer”. Foi Raul Seixas quem disse a frase para o amigo e parceiro Claudio Roberto. O ano era 1977 e os dois haviam finalizado a letra que tornaria Maluco beleza um dos maiores sucessos da carreira do roqueiro baiano. A faixa apareceu no disco O dia em que a Terra parou. “Fizemos a música em questão de meia hora, no apartamento do Raul, no Rio”, conta o parceiro. Mas existe uma versão anterior feita pela dupla em inglês. Os versos, de 1976, inéditos, só não se perderam por conta da memória do amigo de Raulzito. Claudio Roberto revelou, pela primeira vez, via SMS, a letra de Bird song, criada originalmente para a melodia de Maluco beleza. A canção foi composta em cima de uma harmonia de Claudio Roberto, sem a intenção de ser registrada. Mas, quando da gravação de O dia em que a Terra parou, os dois resolveram criar outra letra, desta vez em português, em cima da hora e transformá-la em Maluco beleza. Segundo Sylvio Passos, do primeiro fã-clube oficial de Raul, o ídolo tinha a mania de pegar canções e fazer versões em inglês. “Ele queria lançar um disco nos EUA. Tenho várias músicas dele em outra língua, como as de Metrô linha 743. São todas inéditas”, garante.