60 anos de uma saudade que não termina nunca Bossa nova completa seis décadas como um dos fenômenos mais importantes da cultura brasileira

Irlam Rocha Lima
edviver@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 11/07/2018 03:00

Um dos mais importantes capítulos da cultura brasileira começou a ser escrito em 10 de julho de 1958, no Edifício São Borja, na Avenida Rio Branco, 277, em frente à Cinelândia, Rio de Janeiro. Ali, no quarto andar, funcionava o estúdio da Odeon, onde João Gilberto gravou em 78 rotações Chega de saudade, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, canção que deu origem à bossa nova.

O canto sussurrado de João, assim como a inovadora batida de violão — ouvida originalmente no Canção do amor demais, o LP de Elizeth Cardoso lançado três meses antes — registrado no compacto, soou inicialmente estranho para muita gente. Mas impactou jovens e futuros astros da MPB, entre eles Roberto Carlos, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento e Edu Lobo.

A repercussão daquele disco, que trazia do outro lado Bim bom (uma das raras composições de João Gilberto) foi enorme. Mesmo assim, só em março de 1959 é que sairia o LP, sob o título de Chega de saudade, com 12 faixas, entre as quais Desafinado (Tom Jobim e Newton Mendonça), Lobo bobo (Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli), Rosa Morena (Dorival Caymmi), É luxo só (Ary Barroso) e Aos pés da cruz (Marino Pinto e Zé da Zilda), além de Ho-ba-lá-lá, também de João.

De qualquer maneira, o movimento, que teve João Gilberto, Tom Jobim e Vinicius de Moraes como pilares, já era uma realidade. Influenciado pelo jazz — especialmente, o cool jazz e o bebop —, foi assimilado de imediato por jovens cantores e compositores de classe média da Zona Sul do Rio. O núcleo central se reunia no apartamento de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana.

Vista como uma maneira nova de cantar e tocar o samba urbano carioca na época, a bossa nova promoveu a reformulação estética do estilo musical brasileiro mais representativo. Isso ocorria também em reuniões casuais no meio universitário carioca. Em seguida, chegaria ao circuito dos bares, do Beco das Garrafas, na Rua Prado Júnior, em Copacabana.

Roberto Menescal, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Luiz Carlos Vinhas, Luiz Eça, Chico Feitosa, Oscar Castro Neves e Sylvia Telles eram alguns desses jovens integrantes da “turma da bossa nova”, que se juntava para difundir o novo gênero nas denominadas “samba sessions”. Todos bebiam na fonte da revolução deflagrada por João Gilberto.

A trilogia de álbuns clássicos, que reafirmaria a fundamental contribuição do cantor para o movimento foi complementada por O amor, o sorriso e a flor, de 1960, e João Gilberto, lançado no ano seguinte — ambos pela Odeon. Outros títulos da discografia de João são igualmente reverenciados, entre eles Getz/Gilberto, gravado para o mercado norte-americano (1964), Amoroso (1977) e Brasil, com a participação de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia (1981).

Entre 1971 e 1979, João fez excursões pelos Estados Unidos, Europa e Japão e cumpriu longa temporada no México. No Brasil, são incontáveis os shows que apresentou, incluindo dois em Brasília — o primeiro em 19 de janeiro de 1995, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional, e o outro em 29 de novembro de 1999, na Academia de Tênis. Ele voltaria aqui em outubro de 2011, mas a turnê comemorativa dos 80 anos acabou sendo cancelada.