A travessia do sertão Após adiamento por causa da greve dos caminhoneiros, espetáculo Grande Sertão: Veredas chega ao Recife no próximo fim de semana com apresentação única

BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/07/2018 03:00

O desafio não era simples. Aliás, não é, pois a adaptação de Grande Sertão: Veredas para o teatro é um processo contínuo, uma releitura em constante transformação e também uma performance exaustiva. Passado mais de um ano desde a estreia, a peça dirigida por Bia Lessa chega a Pernambuco para única apresentação no próximo domingo, às 19h, no Teatro Guararapes (Av. Prof. Andrade Bezerra, S/N, Salgadinho, Olinda). Os ingressos custam entre R$ 50 e R$ 200 e estão à venda no site Eventim e nos quiosques do Ticket Folia, nos shoppings Recife, RioMar, Tacaruna, Boa Vista e Guararapes.

As dificuldades para transpor para os palcos a obra máxima de Guimarães Rosa (1908-1967) são várias. Não bastasse o status de clássico da literatura mundial, algo que por si só já assusta eventuais interessados em adaptar o texto para outra mídia, é um romance extenso, de narrativa não linear e único em sua linguagem. “Chamei vários autores”, diz Bia Lessa sobre as infrutíferas tentativas de convidar algum escritor para fazer o roteiro da peça. “Ninguém quis meter a mão”, recorda.

“Foi duríssimo no primeiro momento, mas acabou sendo bacana”, acrescenta ela sobre as recusas e o movimento de tomar a dianteira no trabalho. A diretora, a propósito, rejeita o termo adaptação e prefere classificar seu trabalho como uma “transposição”. E, de fato, a peça não busca, exatamente, literalidade na passagem do livro para o palco. “Fui selecionando trechos que me interessavam e fui colocando na relação com os atores”, simplifica a realizadora. O elenco conta com Caio Blat, Luíza Lemmertz, Luísa Arraes, Leonardo Miggiorin, José Maria Rodrigues, Balbino de Paula, Daniel Passi, Elias de Castro, Lucas Oranmian e Clara Lessa.

Ao longo do período que tem sido encenada, a peça já passou por mudanças, com retiradas ou adição de novos trechos. “Muda sistematicamente. Uma grande vantagem do teatro é uma coisa que acontece ao vivo. Muitas coisas se modificaram, inclusive a forma de interpretar”, comenta Lessa, ressaltando, no entanto, que o conteúdo “obviamente, tem uma estrutura firme, sólida”.

A imersão na obra de Guimarães Rosa não é algo recente para Bia Lessa. Ela foi responsável pela montagem da exposição sobre Grande Sertão: Veredas que inaugurou o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, no ano de 2006. Sem uso de imagens, apenas palavras, a instalação reunia todo o conteúdo do livro disposto em fragmentos de várias formas. “Qualquer imagem é sempre um empobrecimento desse sertão, é um sertão metafísico, do mundo todo”, reflete Lessa.

Essa convicção na impossibilidade de retratar de forma convencional a paisagem do romance se reflete também na montagem do espetáculo para o teatro.  A ação transcorre em uma estrutura tubular semelhante a uma gaiola onde todos os atores ficam em cena ao longo de cerca de 2h30. A cenografia de Camila Toledo, feita com colaboração do arquiteto Paulo Mendes da Rocha tem poucos recursos visuais, à exceção dos cerca de 250 bonecos de feltro de tamanho humano, criados pelo aderecista Fernando Mello da Costa, que preenchem o palco fazendo as vezes de exército de jagunços e vítimas das batalhas vistas ao longo da jornada de Riobaldo.

Originalmente, a encenação foi montada para ser acompanhada por audiências relativamente pequenas, com o público acomodado em cadeiras ao redor da estrutura, de onde é possível acompanhar tudo de perto e ouvir, a partir de fones de ouvido, as falas dos atores, ruídos, sons e a trilha sonora composta por Egberto Gismonti. Essa estrutura será replicada no Teatro Guararapes, mas os demais espaços da plateia serão ocupados, com preços dos ingressos variando a depender do setor.

“A gente sofreu muito com o preço dos ingressos”, afirma Bia Lessa sobre os valores, fazendo a ressalva de que a peça tem circulado pelo país sem nenhum patrocínio. “É uma loucura”, diz.