Rimas para mudar a vida dos jovens A Batalha da Convenção, no bairro de Beberibe, usa o rap para promover debates sociais importantes e aquecer o pequeno comércio do entorno

Marcionila Teixeira
marcionila.teixeira@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 20/07/2018 03:00

A Batalha da Convenção é hoje a maior revolução jovem em andamento de que se tem notícia em Beberibe, bairro da Zona Norte do Recife. O movimento usa as rimas do rap para tirar a praça histórica do bairro do ostracismo, promover debates sociais importantes e aquecer o pequeno comércio do entorno.

O encontro acontece sempre às quartas-feiras. Cerca de 200 jovens costumam participar ou assistir às chamadas batalhas de sangue ou de conhecimento travadas na Praça da Convenção. Por um simbolismo do acaso, as pessoas se reúnem perto da estátua de Abelardo da Hora, feita em homenagem ao movimento pioneiro iniciado em Pernambuco de independência de Portugal, chamado Convenção de Beberibe.

Ismael Fraga, o Dreia, tem 18 anos. É um dos campeões de batalhas de rap da Convenção. Aos 13 anos, descobriu no rap uma luz para superar a separação dos pais e escapar da depressão. “Isso aqui é resistência, liberdade de expressão. O rap apareceu para mim no momento certo”, lembra o morador do Alto da Bondade, comunidade do entorno.

Marcos Vinícius de Melo Silva, 18, participa das batalhas, mas também usa suas rimas vigorosas para ganhar dinheiro dentro dos ônibus. “Eu rimo com aquilo que vejo na hora. Pode ser uma peça de roupa. Já dá para tirar o sustento”, diz o jovem, que mora em Águas Compridas, também perto dali. O irmão dele, Victor de Melo Silva, 19, também tem talento reconhecido nas batalhas da Convenção e uma banda chamada Órbita Mental. Toca bateria e sonha fazer sucesso com a música.

Se em uma semana há uma batalha de sangue, na outra acontece a batalha de conhecimento, essas normalmente travadas mais por meninas. “Na de sangue, as rimas são feitas para dar fora no rival. É um MC contra o outro. Na de conhecimento, há mais preocupação social, com temas LGBT ou sobre o papel da TV na vida da gente, por exemplo”, explica Reinaldo Silva de Melo, 24, o Rasyaohul, um dos organizadores do evento desde 2013.

Leonardo Mota, 28, também está na organização. “As crianças antes ficavam na praça cheirando cola, fazendo frete. Agora estão aqui assistindo ao movimento. Também tem muita gente acostumada somente com brega e pagode. Agora conhecem outro movimento”, ressalta. Nesses dias, o comércio também fica aberto até mais tarde para acompanhar a possibilidade de consumo dos jovens.

Com o tempo, os participantes conquistaram alguns direitos. Um deles, o de ocupar a praça sem serem reprimidos pela Polícia, por exemplo. “Conseguimos da Prefeitura do Recife a liberação do uso do solo da praça, senão teríamos que pagar R$ 90 ao município a cada evento”, explicou Tiago Tércio, da Comissão Pernambucana pela Paz, uma das entidades apoiadoras da batalha. Outra luta é usar o espaço da associação de dominó, que tem até um pequeno palco para os MCs mostrarem suas rimas.

Jovens de bairros, favelas e altos do entorno tomam a praça das 19h30 até às 22h. Levam crianças, mostram estilo em roupas, adereços e cabelos. Revelam engajamento em suas rimas. Também não permitem uso de drogas na praça. Ganharam apoio até da gerência de um posto de combustível próximo, que liberou o uso dos sanitários. Na periferia, as batalhas pela sobrevivência são sempre mais árduas. Em Beberibe e no seu entorno, não é diferente.