Série incrustada na lama dos manguezais Preocupando antenar boa diversão a partir deste domingo, no Canal Brasil, Lama dos dias resgata a efervescência cultural do Recife da década de 1990

BRENO PESSOA
breno.pessoa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/09/2018 03:00

A abertura de Lama dos dias sintetiza bem o que a série promete retratar. Nas imagens que passam rapidamente na sequência inicial, vemos caranguejos, um amplificador, uma nota de mil cruzados, xilografias etc., além de títulos de obras como Homens e caranguejos (de Josué de Castro), Casa grande & senzala (Gilberto Freyre) e Androides sonham com ovelhas elétricas? (Philip K. Dick). Esses elementos, tão díspares, fazem parte do caldeirão de referências e influências que formaram a cena manguebeat no Recife dos anos 1990, movimento que serve de pano de fundo da produção, que estreia neste domingo no Canal Brasil, a partir das 21h. As reprises são às quintas-feiras, às 12h30, e aos sábados, às 17h.

Dirigida por Hilton Lacerda (Tatuagem) e Helder Aragão, o DJ Dolores, Lama dos dias resgata, de maneira ficcional, o período que antecede o aparecimento do manguebeat. A série em sete episódios foi gravada em julho do ano passado, com gravações no Recife e em Olinda, e conta com produção de Malu Campos e produção-executiva de João Vieira Jr., da Carnaval Filmes.

A dupla de realizadores tem propriedade de sobra para o trabalho, já que ambos foram figuras ativas na efervescência recifense da década de 1990. Sob o nome Dolores & Morales - Hélder e Hilton, respectivamente -, os dois foram responsáveis por capas de álbuns e videoclipes de nomes essenciais da cena musical do período, como Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi, Eddie e Mestre Ambrósio.

“A gente sentia a necessidade de revisitar esse período dos anos 1990. Existem documentários, mas sempre do ponto de vista dos vitoriosos, de bandas que assinaram contratos”, explica Aragão. “Esse contraponto é apresentado a partir da banda fictícia Psicopasso, que a exemplo dos contemporâneos reais, tem sonoridade que mistura ritmos regionais e rock. A gente queria falar do ambiente, de público, de bandas que não deram certo. Trazer outra perspectiva”, acrescenta o co-criador da série. Dolores foi responsável também pela trilha sonora e pelas composições inéditas feitas para a Psicopasso.

“Quando começamos a pensar no projeto e começamos a escrever o roteiro, a principal coisa que a gente queria descartar era o uso de personagens que tivessem feito parte da história e que a gente conhecesse”, reforça Hilton Lacerda, destacando que a dupla criativa buscou certo distanciamento em relação ao próprio manguebeat. “De certa forma, os personagens do Lama são a reconstrução de pessoas que estavam em torno daquele movimento, mas que não são necessariamente protagonistas da história”, explica. “A gente criou essa terceira banda do mangue, a Psicopasso, pra que essa turma também pudesse existir em torno dela. Então, os personagens reais servem como referência, eles são citados sempre, mas eles nunca aparecem”, pontua.

FILHA DE CHICO
O conjunto inventado, no entanto, não é o fio condutor da obra. Os protagonistas são um grupo de jovens formado por Adriana (Isadora Gibson), Biu (Vitor Araújo), Farmácia (Geyson Luiz) e Lule (Louise França), entusiastas da música contemporânea e responsáveis por um programa de rádio local. Formado essencialmente por atores amadores, algo recorrente na cinematografia de Hilton Lacerda. “Acho muito excitante trabalhar com atores desconhecidos. A ideia, além de trazer esse rosto novo, é levar uma espécie de sotaque, de cheiro da cidade”, afirma o cineasta. Desse núcleo principal, a atriz Louise França guarda uma bagagem afetiva em relação à obra: é filha de Chico Science.

A produção tem ainda participação especial de Maeve Jinkings e Julio Machado, além de alguns nomes ligados à cena, como os produtores culturais Roger de Renor e Paulo André Pires e o músico Fred Zero Quatro, da Mundo Livre S/A. Este último faz uma divertida e pequena ponta já no primeiro episódio, em uma cena dentro de uma loja de discos.