A nave de Transalien vem aí! Multiartista referência na luta pela visibilidade e inserção do público trans, pernambucana abrirá o show da rapper Azealia Banks no Recife

EMANNUEL BENTO
emannuelbento@gmail.com

Publicação: 05/11/2018 03:00

A sociedade fez Ana Giselle entender que era um “corpo estranho” antes mesmo que ela pudesse compreender que era, na verdade, uma travesti. “Nunca me senti pertencente deste mundo, tanto nas ideias, quanto em crenças ou convicções mundanas. Me sinto uma estrangeira em qualquer lugar onde esteja que não o meu ninho ou ao lado de minha mãe”, diz a pernambucana. Ao passar dos anos, esse sentimento de “mochileira” em terra de estranhos encontrou uma necessária válvula de escape: a arte. Hoje, a multiartista e produtora cultural dá vida à Transalien, uma identidade “pós-humana” que se baseia no senso errôneo de “anormalidade” das pessoas trans para construir uma figura que articula artes sonoras, visuais, teatrais e performáticas de forma potente, além de levantar questões políticas. “A ideia é ressignificar esse pressupostos equivocados de abjeção do que é incomum, estranho, feio, sujo, impróprio. Todos esses signos ditos errados ou proibidos. É sobre construir um corpo livre de padrões e cis-normatividades”, diz a artista.

Atualmente, Ana vive na capital paulista, onde participa do Coletividade Námíbià, um coletivo de artes visuais e música eletrônica que procura aumentar a visibilidade da produção artística negra no país, garantindo reconhecimento e remuneração justa para o grupo. No dia 15 de novembro, aterrissa em Pernambuco com a nave de Transalien para abrir o show da rapper norte-americana Azealia Banks, uma prévia da 15ª edição do Festival No Ar Coquetel Molotov no Baile Perfumado - a edição oficial será no dia 17 de novembro, no Caxangá Golf Country Club.

No Recife, a trajetória de Ana Giselle com a arte começou em 2014, quando foi convidada pelo produtor Nuno Pires para ser DJ na festa pop Carola, popular entre a comunidade LGBT+ recifense. Mesmo tímida, a pernambucana aceitou o desafio. “Não era uma ambição me tornar DJ ou conhecida na noite, mas acabou dando tão certo que, na mesma semana, fui chamada para tocar em outras duas festas. A partir dessa porta, estou aqui até hoje”, explica a artista, que acredita ter se destacado pelo seu jeito peculiar e “estranho” de ser.

Ao crescer no país conservador que mais mata pessoas LGBTs no mundo - segundo  sondagem da entidade Grupo Gay da Bahia (GGB) -, a identidade desconforme de Ana a fez conhecer de perto a violência e a discriminação. “Sou travesti e a nossa existência no Brasil por si só já é um ato político. Logo, minha arte é tão política quanto meu corpo, pois é toda pautada na resistência de um corpo que nasceu para morrer, mas sobrevive sendo e fazendo arte.”

No palco, Transalien tem cativado o público da noite paulista ao fugir de categorizações convencionais, até mesmo a de “performer”. Ela parece apostar em uma espécie de apreciação do mistério e da sinestesia das linguagens. “Assim como todos, estou num processo de busca e autoconhecimento contínuo que só vai parar quando eu morrer. Até lá, estou incansavelmente procurando novas formas de existência, profissional e pessoal”. Na hora de mapear referências, cita Elke Maravilha, a cantora islandesa Björk e a artista visual pernambucana Aoruaura. “São artistas tão livres quanto eu.”