Jorge amado erudito e popular Em biografia recém-lançada sobre Jorge Amado, a autora Joselia Aguiar traça um perfil inédito do escritor baiano, falecido em 2001

Publicação: 17/12/2018 03:00

Foram sete anos de pesquisa, mas, graças à riqueza de detalhes que marca a trajetória de seu biografado, Joselia Aguiar garante que poderiam ter sido mais. “É um trabalho que podia ter o dobro do tamanho, e ainda assim ficaria coisa de fora”, assegura ela sobre Jorge Amado - Uma Biografia (Todavia), lançado na última semana.

Trata-se de um recorte generoso, bem apurado e pleno de novidades sobre o homem que, durante muitos anos, foi o escritor mais popular do Brasil e o primeiro a derrubar barreiras em todos os continentes do planeta - só foi superado, anos depois, por Paulo Coelho. “De fato, a vida de Jorge foi vasta. Estreou cedo e produziu muito, e esses livros circularam em 49 idiomas e se tornaram novelas e filmes.”

Ao longo de seu trabalho - que conciliou com a função de curadora por dois bem-sucedidos anos da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip -, Joselia mostra como a trajetória literária e também política de Jorge Amado (1912-2001) se confunde com muitos momentos históricos do Brasil, como sua relação com a política ideológica comunista, iniciada nos anos 1930. “Na obra de memórias Navegação de cabotagem, ele se refere aos livros de seu período mais comunista como ‘tarefas partidárias’”, observa Joselia.“Muito cedo, Amado se identifica e lê autores de esquerda, envolvendo-se em muitas atividades políticas. Os livros nascem dele mesmo, é um autor propositivo, mas é claro que nascem de alguém envolvido totalmente com a causa comunista. Por que ‘tarefas partidárias’? Creio que para diminuir um pouco aqueles livros, pelos quais tinha carinho porque foram feitos na juventude, mas que considerava como ‘cadernos de aprendiz’.”

Joselia ressalta que, naquela época, década de 1930, Jorge Amado ainda não era importante aos olhos dos comunistas brasileiros ou estrangeiros. A situação só vai mudar quando ele decide escrever a biografia de Luís Carlos Prestes, então o grande líder comunista nacional. O Cavaleiro da Esperança, de 1942, lhe abre portas e lhe dá um determinado prestígio. Mas a obra de Amado já circulava na França e nos Estados Unidos, e era publicada por editoras de gabarito, como Gallimard e Knopf. Depois de sua cassação como deputado, em 1948, ele vai para o exílio e conhece os países da cortina de ferro, onde é muito lido.

COMUNISTA
Joselia Aguiar observa, na biografia, que, quando se afasta do Partido Comunista, no final da década de 1950, o sucesso do escritor baiano só aumentava. Jorge Amado foi muito lido no Brasil e no exterior até o fim da vida, o que comprova ser falsa a acusação de que sua bem-sucedida carreira se deveu à ação direta do partido.

De fato, os lançamentos de livros de Amado chegaram a alcançar a astronômica tiragem de 100 mil exemplares, o que ganhava ainda mais força com as adaptações para cinema, teatro e novela de TV de obras como Gabriela cravo e canela (de 1958), Dona Flor e seus dois maridos (1966) e Tieta do Agreste (1977). O que poderia explicar tamanho sucesso? Em seu livro Romântico, sedutor e anarquista - Como e por que ler Jorge Amado hoje (Objetiva), Ana Maria Machado percebeu que Amado fez a fusão amorosa entre o erudito e o popular, erotizou a narrativa, trouxe à tona questões sobre o não sectarismo, a miscigenação, a luta contra o preconceito e contra a pseudoerudição europeia.

Joselia também acredita que as narrativas centradas na afro-baianidade, portanto, distantes do tradicional olhar europeu, ajudam a explicar o êxito de Amado no exterior. “O entendimento que ele tem do candomblé aos 23 anos, quando escreve Jubiabá, é ainda muito contaminado pela sua opção comunista”, comenta. “Somente quando está com 57 anos, ele dá o salto que é Tenda dos milagres, em que o candomblé é visto como resistência cultural e política, um contraponto à sociedade burguesa e a certa visão eurocêntrica. Dentro dos limites, claro, de um homem branco que nasce na primeira metade do século 20, quando certas categorias e discussões ainda não existiam. O que se pode afirmar é que, conforme se torna mais maduro e também se afasta do partido, sua apreensão do que é fazer romance se torna algo mais complexo, como é a própria vida.”