Amor numa época de ebulição política Estreia da semana e com três indicações ao Oscar, Guerra fria é uma história de amor difícil, prejudicada pelas circunstâncias históricas

Publicação: 11/02/2019 03:00

Talvez seja arriscado dar a um filme o título de um período histórico. É o que faz Pawel Pawlikowski com seu Guerra fria, sugerindo que vai abordar esse período extenso, de 1945 a 1991, quando o mundo esteve à mercê das batalhas estratégicas entre Estados Unidos e União Soviética. No entanto, mais que filme político, Guerra fria deve ser visto como uma história de amor difícil, prejudicada pelas circunstâncias históricas. Uma espécie de Doutor Jivago, ambientado não nas estepes da Revolução Russa, mas no Leste Europeu cortado da Europa ocidental pelos acordos que puseram fim à 2ª Guerra Mundial.

Zona de influência da então União Soviética, a Polônia tornou-se stalinista, isto é, sujeita a um regime político que deixava pouco espaço às liberdades individuais. Nesse ambiente minado, se movem, se encontram e desencontram Zula (Joanna Kulig) e Wiktor (Tomasz Kot). Ele, um professor de música, ela uma promissora cantora vinda do interior e cuja voz singular e beleza estonteante a colocam em destaque entre as outras concorrentes a uma vaga na escola de música. Eles se conhecem em Varsóvia, depois perambulam por Paris, pela antiga Iugoslávia e Berlim. Nesse mundo em transe do pós-guerra, o homem e a mulher mantêm um romance igualmente tumultuado, cheio de encontros e separações, brigas e compreensão, acertos e desarranjos, como se simbolizassem, como indivíduos, o balé desencontrado das potências militares em litígio.

Conta o diretor que fez o filme em homenagem ao pai e à mãe, cujos nomes são os mesmos dos protagonistas, Zula e Wiktor. Talvez essa referência doméstica transmita calor extra à história, mas não beneficia tanto a perspectiva histórica, que parece um tanto turva. Não que Pawlikowski não cuide desse aspecto. Apenas, a costura entre o âmbito pessoal e o painel histórico resulta às vezes mal-acabada. Não falta também certo ar melodramático, que dá ao filme atmosfera meio retrô. Isso não é defeito em si, mas suga intensidade à obra.

Por outro lado, Pawlikowski usa uma série de expedientes de direção que tentam colocar o filme num escaninho à parte. A começar pela “janela” de exibição, em formato quadrado e não panorâmico, como seria o usual. Depois, pela fotografia em preto e branco, a sugerir um tempo antigo no qual aquele tipo de coisa vista na tela acontecia pelo mundo. Quer dizer, num mundo anterior a 1989, queda do Muro de Berlim, e 1991, dissolução da União Soviética. Mundo no qual as pessoas podiam ser controladas pelos governos (como se hoje não fossem...), tinham dificuldade em se deslocar de um país a outro, eram expostos ao suplício das fronteiras, etc.

Esses expedientes parecem colocar Guerra fria naquele nicho específico dos “filmes de arte”, daqueles que fazem questão de exibir essa marca registrada, signo de prestígio cultural que, se não dialoga muito bem com o público, em compensação habilita-se a prêmios artísticos e dignidade intelectual. “Filme de festival”, costuma-se dizer, de maneira depreciativa.

De resto, se assim for, surtiu efeito. Guerra fria deu a Pawlikowski a Palma de direção no Festival de Cannes. Justificável, pois a direção é virtuosística, embora haja quem valorize uma certa discrição de métodos. O diretor polonês prefere exibir seus dotes. Ostentar, diriam os mais maldosos.

Se esse reparo cabe, deve-se também dizer que essa bonita história de amor é conduzida sem qualquer obviedade. Sem autopiedade, Zula e Wiktor sofrem, porém parecem conscientes de que seus desencontros se dão tanto por circunstâncias da época em que vivem como por suas carências pessoais. Nada se pode fazer, a vida é assim, parecem dizer.

Joanna Kulig e Tomasz Kot têm interpretações marcantes, em especial pelas diferenças de personalidade dos personagens. Ela é uma força da natureza, talentosa e sexualmente audaz. Ele pende para uma certa melancolia introspectiva. Pelo contraste de personalidades, completam-se. Mas esta completude é incapaz de mantê-los juntos, e essa é sua tragédia. Ao longo do período abordado, 15 anos, eles expressarão no rosto não apenas o passar do tempo, mas a soma de sofrimentos e desilusões que a vida lhes impõem. É bonito, e é triste. (Agência Estado)

Outras estreias

Perturbado e criativo
Hostilizado, bem antes de a palavra virar moda, o pintor holandês Vincent van Gogh não gozou do reconhecimento pertinente para um artista com produtividade fora do comum, mas comumente visto, aos fins do século 19, como um pintor de grosserias. No filme dirigido por Julian Schnabel, No portal da eternidade, o artista tem ciência da visão por demais avançada, e chega a comentar que “a vida é feita para o ato de semear - a colheita, entretanto, não será aqui”. Dentro da trama, em que o atormentado artista tem como veredicto a criação de obras “desagradáveis”, há um momento em que o protagonista, sempre integrado à criação no meio de vasta natureza, compara o contato com as paisagens planas (a serem registradas em quadros) à visão da eternidade. Daí o título do filme que concorreu, no último Festival de Veneza, com Roma, tendo perdido o prêmio principal. Refugado por muitas pessoas, na trama do longa de Schnabel (que, há 23 anos, despontou com Basquiat - Traços de uma vida), Van Gogh parece, ao menos, talhado para uma amizade intensa com Paul Gauguin, colega ávido em contrastar os artistas empenhados, de fato, daqueles apegados à realidade burguesa.

Se deixa claras as influências sofridas por pintores como Frans Hals, Goya, Velázquez e Veronese, durante o filme, van Gogh não segue muitos dos conselhos artísticos do amigo Gauguin, que percebe demasiada pressa na realização das obras e o exagerado apego por “copiar” elementos da natureza. No longa de Schnabel, estrelado ainda por Emmanuelle Seigner (na pele da acolhedora Marie Ginoux) e Mathieu Amalric (que interpreta o doutor Paul Gachet, a assumida confusão mental de van Gogh é ressaltada.

Continuação animada
Situado numa realidade pós-apocalíptica, a animação Uma aventura Lego 2 chega aos cinemas, quase cinco anos depois do primeiro filme. Uma misteriosa rainha e personagens chamados Cone de Sorvete e Caos Legal são integrados à trama em que um general alienígena pretende promover o caos, criando um cotidiano de pura destruição. A reconstrução cabe aos protagonistas Emmet (Chris Pratt), Lucy (Elizabeth Banks) e Batman (Will Arnett), todos a postos para salvar a amada cidade de Bricksburg em que vivem. A direção do filme é de Mike Mitchell, o mesmo responsável pelo sucesso de Shrek para sempre.

Escape room

Uma câmara de pânico cuja fechadura da porta está ligada a pistas espalhadas por dentro de cômodos está no centro do longa assinado por Adam Robitel. Na trama do suspense, pesam as armadilhas dispostas entre seis estranhos arregimentados por uma espécie de concurso que oferta US$ 1 milhão para quem sair daquele minado espaço.