Um disco "good vibes" Em seu primeiro disco solo, Marcelo Falcão assume de vez o perfil do "cancioneiro das boas vibrações", afastado de questões mais sociais

EMANNUEL BENTO
emannuelbento@gmail.com

Publicação: 19/02/2019 03:00

Os vocais que deram vida aos sucessos da banda O Rappa ressurgem em faixas inéditas. O carioca Marcelo Falcão lançou, na última sexta-feira, o álbum Viver (Mais leve que o ar) nas plataformas de streaming. Trata-se de seu primeiro disco fora do grupo - que entrou em hiato por tempo indeterminado em 2018. Com produção assinada por Falcão e Felipe Rodarte, o projeto tenta resgatar a sonoridade que consagrou o vocalista, mesclando reggae, rock, pop e MPB, mas desta vez com um maior enfoque no reggae - caminho que já estava sendo atestado nas quatro faixas liberadas nos últimos meses: Viver, Eu quero ver o mar, Diz aí e Só por você.

Nenhum integrante do grupo O Rappa está presente na ficha técnica do projeto. Dessa vez, a banda que acompanha o timbre grave do vocalista é composta por Bino Farias, do Cidade Negra (baixo), João Fera, parceiro dos Paralamas (teclados), Hélio Ferinha (teclas), DJ Negralha, Marcos Suzano (percussão), Felipe Boquinha (bateria), Edésio Gomes, Eneas Pacifico e Vinicius de Souza (metais). Um time de músico experientes que garantem a execução de instrumentais arrojados e uma sonoridade grandiosa.

Como sugere o título, o projeto traz o cantor como uma espécie de cancioneiro das “boas vibrações”. Ancoradas em uma sonoridade pop, as faixas abordam a importância da positividade, o “estar bem consigo mesmo”, com “vigor” e “vitalidade”. Essa proposta funciona bem em faixas como Hoje eu decidi, Mais leve que o ar e Viver, que tem participação especial do pernambucano Lula Queiroga. Algumas outras trazem temáticas românticas triviais. A faixa de cunho mais “social” fica com Eu quero ver o mar, que em oito minutos de duração traz o oceano como uma fuga dos problemas cotidianos. De fato, é um daqueles álbuns ideais para ouvir na praia.

Esse também é o primeiro trabalho no qual Marcelo aparece como principal compositor de todas as faixas - com exceção de Senhor fazei de mim (Um instrumento de tua paz), que encerra o disco, trazendo a oração de São Francisco. Embora o trabalho provavelmente reflita na atual fase de vida do intérprete, focando em “positividade”, é difícil não relembrar com saudosismo da figura crítica e combativa que o cantor encenava nos tempos dourados d’O Rappa.

A banda, revelação dos anos 1990, ficou conhecida justamente por letras que traziam uma consciência social de forma bastante sagaz, abordando desigualdades e anseios que rondam a sociedade, sobretudo as periferias. Naquele tempo, a maioria das faixas era de autoria de Marcelo Yuka, que saiu do grupo em 2001 por divergências e faleceu em janeiro deste ano, vítima de um acidente vascular cerebral isquêmico.

Talvez esse seja o principal ponto de incômodo para quem escuta o Viver (mais leve que o ar): os excessos de “good vibes” e de romantismos acabaram tornando o disco repetitivo e mais longo do que os seus 66 minutos de duração. É um problema similar ao que vem acontecendo com a discografia da banda Natiruts, por exemplo. Talvez, 20 anos após o lançamento do clássico Minha alma (A paz que eu não quero), Falcão esteja realmente “sentado na poltrona de um dia de domingo”.

Entrevista - Marcelo Falcão // cantor

“O Rappa me ensinou, mas eu precisava ter outra banda”

Você acumulou cerca de 600 arquivos até chegar nesse álbum. Como isso aconteceu?
Eu gosto de ter bastante material, pois a gravadora (Warner Music) sempre pede muito e parte desse conteúdo pode ficar guardado para outros projetos. Fico muito envolvido com meu disco, até mesmo em momentos particulares. Gravei esboços e ideias por cinco anos. Eu até ficava meio assustado quando olhava para aquilo tudo no computador. Com o tempo, no entanto, fui selecionando junto com Felipe Rodarte e chegamos em 70 faixas. Voltamos para o estúdio, gravamos de forma profissional e o número diminuiu para 47. Chamei amigos para uma audição, como Sérgio Afonso, Tuca Carvalho e Marco Suzano. Fui vendo as reações das pessoas e a partir daí fomos montando o repertório final.

Por que optou por não convidar nenhum músico d’O Rappa na ficha técnica?
A escola do Rappa me ensinou muita coisa, mas eu precisava ter outra banda. Todo mundo que está comigo agora queria muito estar comigo, esperaram muito tempo para isso. E nessa sequência, fui abençoado por fazer um disco como eu realmente queria. Eu só me sinto tranquilo e forte com uma banda boa ao meu lado. Eu não poderia estar mais feliz. Sempre sonhei em ter uma big band, que também estará comigo ao vivo e será muito mais violenta do que você escuta no disco.

O Rappa fez vários shows emblemáticos no Recife, sempre com um público considerável. Isso influenciou na decisão de estrear a turnê do disco na capital?
Claro. Mas, além disso, meu atual escritório é situado no Recife. Essa vida de show business deixa a gente meio estranho, mas eu quero dar o meu melhor. O palco é a minha vontade, onde me divirto e sou quem realmente sou. Não quero apenas atender a um pedido de show, mas sim recriar o clipe de Viver: ter a molecada junta, todos estendendo a mão e pedindo por equilíbrio. Meu espírito é de moleque. Quero essa molecada comigo para sempre.