"Buscar de quem pegou o que era da gente" "Vou roubar o patrimônio do seu pai", avisa o rapper Djonga na faixa-título do seu terceiro e potente álbum, Ladrão

Publicação: 18/03/2019 03:00

Ladrão, o aguardado terceiro disco do rapper Djonga, não promete polêmica só no título, mas também na capa, na qual o belo-horizontino de 24 anos exibe a cabeça ensanguentada (e decapitada) de um integrante da Klu Klux Klan. Ele evita “explicar” essa foto, diz esperar que todos tirem as próprias conclusões. Mas é inegável a semelhança com filmes de terror - inclusive, ele cita o norte-americano Jordan Peele, diretor do longa Corra!, o primeiro roteirista negro a levar o Oscar para casa. A capa também remete ao último filme de Spike Lee, Infiltrado na Klan, premiado com o Oscar de melhor roteiro neste ano, mas Djonga avisa que não viu o longa desse genial cineasta negro.

Com dez faixas inéditas, Ladrão foi disponibilizado nas plataformas digitais, via ONErpm, na última sexta-feira. Neste contexto do “terror” brasileiro - tragédias de Brumadinho e Mariana, polarização política, intolerância, massacre de estudantes em Suzano (SP) -, o terceiro disco de Djonga chega com rimas contundentes, a marca registrada do rapper. Em 2017, ao estrear com o álbum Heresia, ele se tornou nome de ponta do hip-hop nacional. Ano passado, Djonga conquistou de vez crítica, fãs e prêmios com o disco O menino que queria ser Deus.

“Vou roubar o patrimônio do seu pai”, avisa ele, já na faixa-título. “Ladrão é buscar de volta de quem pegou o que era da gente. Fomos nós que construímos este país”, diz o rapper. “Quem tem demais é porque os outros têm de menos. Quero que todo mundo saiba que estamos aqui, não estamos mortos só porque ganharam a eleição”, afirma, referindo-se ao governo Bolsonaro. “A guerra é difícil, mas estamos aí”, avisa.

Segundo ele, a ideia é “roubar” para “devolver aos irmãos” o que lhes foi roubado historicamente pela escravidão, pela exclusão social e pela opressão. “A primeira coisa a devolver é autoestima, o sentimento de dignidade, a alegria que nos roubaram”, afirma. A outra devolução tem a ver com a eliminação da culpa católica, diz. “O pobre, fodido, tem culpa pela vida que leva, acha que está errado.” Para Djonga, “quem tem culpa não sai do lugar”.

O rapper fala da opressão sobre os negros, mas também celebra o sucesso de jovens negros como ele - sem culpa de ganhar dinheiro com sua música, mas ciente da responsabilidade como artista. “Eu sigo naquela fé / que talvez não mova montanhas / mas arrasta multidões / e esvazia camburões / preenche salas de aula / e corações vazios”, canta ele em Falcão, a última faixa, lindamente encerrada por um trecho de Romaria na voz de Elis Regina. “Meus irmãos perderam-se na vida à custa de aventuras”, são as últimas palavras do disco.

Ex-estudante de história da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), o rapper põe Canudos, Lampião e o cangaço em seu rap. O drama de Brumadinho também está lá, na voz de Filipe Ret, que divide com ele a faixa Deus e o diabo na terra do sol: “É Brumadinho / E Mariana na lama / Indecência da grana / Aonde quem pensa apanha / Fodam-se o capitão e o general / O amor é o mais alto grau / da inteligência humana.” Ao comentar as duas tragédias da Vale, Djonga comenta que a enorme tristeza supera até a revolta. “Tristeza de ver até onde chega a miséria do ser humano, disposto a sempre ganhar a todo custo.”

SAMBA
Djonga reservou uma surpresa: solta a voz, à capela, no samba MLK 4TR3V1DO: “Faça o favor / Respeite quem pôde chegar / Onde a gente chegou”, canta o “moleque atrevido” criado na Zona Leste de BH, que decidiu não pôr os tradicionais instrumentos do samba nessa faixa.

Outro destaque é a bela e emocionada Bença, inspirada na avó dele, dona Maria Eni, mulher batalhadora, moradora do Bairro Santa Efigênia/Novo São Lucas, que criou as filhas com muita luta. Djonga homenageia a família que o formou, com direito à bênção da vovó, no final da faixa, tanto para ele quanto para os ouvintes.

Além de Filipe Ret, o disco conta com as participações de MC Kaio, Doug Now e Chris. O álbum foi produzido por respeitado Coyote Beatz, coproduzido por Thiago Braga (Pato Fu) e masterizado por Arthur Luna. (Do Estado de Minas)