Black Alien fala de sobriedade Rapper carioca faz sua afirmação criativa mais poderosa desde 2004, com o álbum Abaixo de zero: Hello hell, o terceiro da carreira do ex-Planet Hemp

Publicação: 22/04/2019 03:00

“Esse é o retorno do cretino / dos clássicos, hits, hinos e o bolso cheio de pino.” Essas são as primeiras palavras após o play no novo disco de Gustavo de Almeida Ribeiro, o Black Alien, Abaixo de zero: Hello hell. Logo depois, no refrão da mesma música, ele avisa: “Vim pesadão, ninguém vai me derrubar”. O terceiro disco da carreira do rapper niteroiense representa uma lufada de ar fresco numa trajetória que começou nos anos 1990, atingiu um pico de criatividade artística do rap nacional com Babylon by Gus vol. 1, em 2004, e viu outros bons momentos nos últimos 15 anos.

Porque, apesar de ter lançado o Vol. 2 (No princípio era o verbo) em 2015, é com Abaixo de zero que Black Alien faz sua afirmação musical mais consistente desde 2004, despejando uma sinceridade afiada sobre um tema pouco explorado pelo rap brasileiro: a sobriedade. “Se um dia a coragem foi líquida, agora ela é sólida, irmão / Tenho não só que lidar com a vida / Lido com ela sem pó e sem dó, então / Sozinho, eu tô em má companhia, tá ligado?”, diz na segunda faixa, Canção para Amy, referência à cantora que sucumbiu aos tóxicos de que ele agora se livrou. “Meu fígado não concordou com meu estilo de vida / Meu cérebro acordou, tirou meu bloco da avenida / Um-nove-nove-três, primeiro rapper da cidade / Dois mil e dezenove, poucos rappers dessa idade”, diz em Take ten.

Mas é na afiada Aniversário de sobriedade, um verso único, sem refrão, sobre uma base de piano e sax, que ele resume seu próprio espírito chegando para esse disco: “Tô sem frases, o que me trazes? / Isso é metanfetamina, a droga dos kamikazes / Precisam de coragem pra poder morrer na guerra / E eu preciso de coragem pra viver fazendo as pazes - ou quase”. O disco, lançado pelo selo Extrapunk, já está disponível nas plataformas digitais.

No centro de São Paulo, cidade onde vive há 20 anos entre idas e vindas, Gustavo explicou que o uso contínuo, a decisão de parar com a bebida, entre 2015 e 2016, e a recuperação o deixaram num lugar sombrio, considerando que sua habilidade havia se esgotado “Eu chorava pensando que tinha queimado todos os meus neurônios Pensava: ‘Não consigo mais escrever, só tenho um disco e não vou conseguir viver a minha vida de um disco só’. Foi tema até de terapia. Com quem trabalha e exercita a caneta, aprendi que só escrevendo é que se escreve melhor. Em 2016, aceitei projetos de gente menos conhecida, coisas para o cinema, que não aparecem tanto. Porque eu não estava em forma. Mas aceitei de coração. Aí quando vinha uma linha razoável eu já soltava foguete. Essa época foi um período de músicas que não saio mostrando. Mas segui e botei a cara.”

Em 2018, ele se organizou, correu atrás de marcas, tomou cafezinhos, fechou um contrato e negociou com o produtor carioca Papatinho - um dos fundadores da ConeCrew Diretoria, sucesso do rap da cidade nos anos 2000, e hoje em dia nome requisitado (um de seus lançamentos mais recentes é com Anitta e Snoop Dog, a faixa Onda diferente). “Assinei o contrato e não tinha nem material, nem ideia, nem plano”, diz Black Alien. “Nos dois outros discos eu sentava com cadernos com muitas anotações, era uma beleza. Dessa vez, teve que sair na hora, tinha pressão de tempo de entrega. O conceito foi surgindo durante a produção.” Ele e o produtor sabiam, porém, que as sonoridades passeariam em timbres de jazz e com acenos ao soul e ao blues.

A química entre os dois, que se conhecem há quase dez anos, se estabelece desde o primeiro beat e, sobre as bases, Black Alien volta a mostrar seu flow marcado, característico, a sintaxe esperta e a mistura única de palavras em inglês e português. “Estou ficando velho”, ri o cantor. “Com 46 anos, já não tenho tempo para questões de ego, ‘caôzada’, encheção de saco na papelada. Quero gente para trabalhar. Até porque qualquer aborrecimento pode levar para o botequim. Morre gente, nasce gente, fracassei, fiz sucesso, com nada disso eu posso beber. Não vou ficar me arriscando. O ‘embaçamento’ (na negociação) é uma das coisas que levam para o botequim rápido. Então escolhi: por aqui não vou. Trabalhar com ele (Papatinho) no estúdio foi muito bom e na hora da burocracia é só tranquilidade.”

Embora admita ainda não ter se livrado da maconha, ele não demonstra muita paciência para defensores públicos da planta. “Ficam dizendo que é natural. Natural é o c...! Esses bagulhos supersônicos em que os caras jogam um monte de coisa. Toma vergonha, assuma. Diga que fuma maconha porque gosta de ficar doidão e pronto.”