A grandiosidade de João Câmara Depois de um período mais recluso, no qual se dedicou a produzir telas de dimensões maiores, o pintor inaugura nova exposição no Museu do Estado

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 18/07/2019 03:00

Desde que ingressou na Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no início dos anos 1960, o paraibano radicado em Pernambuco João Câmara Filho logo despontou como um nome de destaque nas artes plásticas, principalmente com pinturas e xilogravuras. Recebeu prêmios nacionais e internacionais com uma obra que, através de metáforas sagazes, consegue mesclar certo teor político com uma perspectiva surrealista. Entre os destaques estão Cenas da vida brasileira (1974 - 1976), série temática composta por dez pinturas e cem litografias que fazem alusão imaginativa e crítica à Era Vargas, e Duas cidades, com 38 pinturas e 18 objetos que montam paralelos paisagísticos incomuns entre Recife e Olinda.

Nos últimos anos, o artista de 75 anos optou por passar mais tempo recluso em seu ateliê em Olinda. Dedicou-se a produzir telas de dimensões maiores e cenas ousadas, deixando a imaginação aflorar no rastreio da reinvenção. O fruto desse período chega ao público pela primeira vez hoje, a partir das 19h, com a inauguração da mostra João Câmara - A trajetória de artista brasileiro, realizada no Museu do Estado de Pernambuco, nas Graças, Zona Norte do Recife, mais especificamente no anexo Espaço Cícero Dias. A iniciativa é do baiano Emanoel Araújo, atual diretor do Museu Afro Brasil, na cidade de São Paulo.

“Faz muitos anos que não realizo uma mostra no Recife. A última foi Duas cidades, justamente quando o anexo Cícero Dias foi inaugurado”, ressalta Câmara, em entrevista ao Viver, durante a finalização da exposição. “Eu tenho desenvolvido obras grandes, algumas com intensidade narrativa maior, cenas complexas e elaboradas. Algumas outras são focadas em personagens singulares e insistentemente figurativos. Sou um pintor de figuras, apesar de ter uma paisagem ou outra”, certifica o pintor.

O curador Emanoel Araújo idealizou a mostra em dois segmentos. Um estará no Museu Afro Brasil, em São Paulo, a partir de 15 de setembro, reunindo quadros e xilogravuras produzidas entre o final da década de 1960 até o começo de 1990. O bloco do Recife é como uma continuidade, abordando dos anos 1990 até a atualidade. São 33 obras arrojadas, que expressam ineditismo ao público que já acompanha Câmara. Também mostram que o artista segue com uma produção antenada e atemporal, surpreendendo pela criação de cenas inusitadas com traços sofisticados. Um certo tipo de refinamento misterioso que encontramos no cinema noir, mas com concepções apenas possíveis nas artes plásticas.

“A exposição parte de uma ideia da ausência do João Câmara nos espaços, principalmente em São Paulo, uma cidade que vem perdendo amiúde com um artista tão importante”, diz Emanoel, ao justificar a iniciativa em montar os segmentos da mostra. “As telas disponíveis no Museu Afro abarcam uma fase mais ‘barroca’, já conhecida pelos consumidores de arte. A mostra no Recife, pelo contrário, traz uma perspectiva nova. Acredito que mostra o amadurecimento de um artista que fica cada vez mais clássico ao buscar por novas ideias e qualidades da cultura. O João é sempre uma surpresa”, define.

Telas como Anomalia de Kepler (2011), Zembla (2014) e Weimar (2012) trazem cenas dinâmicas de um cotidiano burguês inquieto e indiscreto. Comédia infeliz na Rua Granville, uma das mais enigmáticas, se desprende do conceito de tela e é formado por três peças.: um homem, uma mulher (ambos com aspectos boêmios) em frente a um muro de tijolos em que aparecem sombras soturnas. Reproduções das telas estão disponíveis em um catálogo de 292 páginas que reúne as obras em meio a ensaios, artigos e críticas de nomes como Aracy A. Amaral, Mino Carta e Roberto Pontual, além de entrevistas e uma linha do tempo.

“As telas novas são de uma complexidade muito grande para serem absorvidas naturalmente. Há uma expectativa, uma dinâmica quase cinematográfica, uma ação que não se completa”, continua Emanoel. “Do ponto de vista da contemporaneidade, ele propõe situações muito atuais, mas de forma ficcional. É um artista que está ligando sua vivência local com uma visão mundial.” Ele finaliza dizendo que se trata de um conjunto de características inusual na arte brasileira. “É extensa, corajosa, forte e uniforme. Sempre com um sentido de grandeza.”

Serviço

João Câmara - A trajetória de artista brasileiro
Quando: hoje, a partir das 19h30
Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Av. Rui Barbosa, 960, Graças, Recife)
Quanto: gratuito