Apesar do desmonte... Produções brasileiras brilham em festivais e críticas da imprensa no exterior, mesmo num cenário adverso frente ao governo

Publicação: 14/09/2019 03:00

Consolidados por boas performances nas premiações internacionais, produções audiovisuais brasileiras têm crescente projeção na indústria cinematográfica estrangeira. No entanto, mesmo neste momento de prestígio, a situação é crítica e de desafios no setor audiovisual brasileiro. São os nomes do momento: os pernambucanos Kleber Mendonça Filho, Juliano Dornelles e Gabriel Mascaro, o cearense Karim Aïnouz, a gaúcha Bárbara Paz e o brasiliense Iberê Carvalho. Na teia de obras deste ano, filmes brasileiros conquistam um espaço bastante representativo nos cinemas e nas premiações.

Bacurau é um fenômeno. Em cartaz desde 29 de agosto, o longa-metragem arrecadou R$ 2 milhões na primeira semana de exibição e passou de 300 mil espectadores duas semanas após a estreia. Coescrito e coproduzido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o filme abocanhou o Prêmio do Júri do Festival de Cannes, uma das mais altas distinções do evento. “Durante as filmagens, havia atores dizendo que já estavam comprando a passagem para Cannes, eu falava que eles eram loucos”, revela Kleber.

“Fizemos um filme que a gente gostaria de ver, conhecendo bem a história do cinema brasileiro. Conversei muito sobre o tipo de filme, uma criação que utilize ferramentas que não são muito vistas. É um filme de aventura e de ação, ao mesmo tempo. Será sempre um filme brasileiro. Era interessante que fosse um filme brasileiro, um filme de público”, pontua o cineasta pernambucano.

O longa percorreu diversos países desde a estreia mundial em Cannes, e venceu festivais como o de Lima e Munique. “Desde que vou ao cinema e conheço, eu diria que estamos na melhor época do cinema nacional, porque a gente está conseguindo participar do maior festival de cinema do mundo e vê o público cada vez mais interessado no cinema brasileiro”, conta Juliano Dornelles. No entanto, a situação ainda indefinida do futuro das produções nacionais causa insegurança no setor.

“O governo já demonstrou para o que veio e distribui esta ideia como se fosse algo positivo para o país. E é muito estranho por ser um mercado fortíssimo que gera emprego, e essas ‘fantasias’ vão sendo confrontadas pelo mundo real. É um sinal forte que eles não fazem ideia do que estão fazendo”, diz Juliano. “Eu espero que a gente consiga manter esse mecanismo de fomento e que se amplie. Os filmes precisam de uma forma de distribuição mais eficiente. A gente tem que pensar à frente, e pensar como fazer para esses filmes serem vistos e crescer o cinema brasileiro. Saber fazer o brasileiro valorizar seu próprio produto cultural, sem prevalecer o vira-latismo”, acrescenta.

Dezessete anos depois do sucesso Madame Satã, o roteirista cearense Karim Aïnouz emplaca mais uma vez uma produção no circuito do cinema brasileiro com a trama adaptado do livro A vida invisível de Eurídice Gusmão. Encenada no Rio de Janeiro dos anos 1950, a narrativa conta a história das irmãs separadas na adolescência e impedidas de conviver juntas, devido a uma gravidez não planejada, em uma sociedade totalmente machista. Invisíveis em uma sociedade paternalista e conservadora, elas se desdobram para seguir em frente.

Fazem parte do elenco um time feminino de peso: Fernanda Montenegro, Julia Stockler e Carol Duarte. A produção, vencedora da mostra Um Certo Olhar em Cannes e adquirida pela plataforma de streaming Amazon, foi escolhida para representar o Brasil no Oscar em 2020 - o resultado dos indicados será revelado em 13 de janeiro. A previsão de estreia de A vida invisível é para 31 de outubro.

MARIGHELLA
Entre as futuras atrações, Marighella, com roteiro escrito por Wagner Moura e Felipe Braga, é também um dos destaques nas premiações. O filme estava previsto para estrear em 20 de novembro nos cinemas nacionais, mas o lançamento foi suspenso por divergências com trâmites exigidos pela Ancine (Agência Nacional do Cinema) e ainda não tem data de exibição no Brasil. O longa foi mostrado pela primeira vez no Festival de Berlim e, desde então, segue promissor na carreira internacional. As críticas estrangeiras foram, em maioria, positivas.

Com forte teor político, Marighella é a cinebiografia do ex-deputado, poeta e guerrilheiro brasileiro Carlos Marighella, assassinado pela ditadura militar em 1969. O filme é uma adaptação do livro Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo, de Mário Magalhães.

Premiados
No último dia 7, brasileiros foram premiados no Festival de Veneza. A diretora Bárbara Paz levou o prêmio de melhor documentário sobre cinema com Babenco - Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou. Já A linha, de Ricardo Laganaro, ficou com o prêmio de Melhor Experiência Imersiva em VR. “O Brasil conquistou uma comunidade produtiva amadurecida e altamente competitiva, que tem o potencial de levar o país para se posicionar entre os cinco maiores produtores de conteúdo audiovisual do mundo”, avalia o cineasta brasiliense Marcus Ligocki Jr, curador do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.