Uma escola de arte e resistência O Balé Afro Majê Molê, quilombo urbano no bairro de Peixinhos, fortalece a cultura negra através da dança e dos laços afetivos

SAMUEL CALADO
Especial para o Diario

Publicação: 20/11/2019 03:00

No Nascedouro de Peixinhos, em Olinda, funciona um quilombo urbano responsável por promover a transformação social em comunidades através da cultura negra. Com 25 anos, o Balé Afro Majê Molê, que significa “crianças que brilham” na língua africana iorubá, é o fôlego de muitos jovens e crianças e a escola de grandes profissionais. Os tradicionais encontros aos sábados vão muito além da dança e fortalecem os laços de respeito e amor ao coletivo. É justamente nesse elo que os participantes encontram, com a arte, o caminho para romper barreiras.

O Majê nasceu de uma brincadeira dedicada ao Dia das Crianças. “A primeira festa foi no bairro de Água Fria, e minha esposa disse que queria um balé de arte negra. Chamamos dez adolescentes para ensaiar e, quando vimos, o grupo já estava montado. Hoje não podemos parar. A gente observa a importância do Majê para essas crianças da localidade, sendo muitas vezes o único caminho que se abre. É um trabalho muito sério que envolve crianças, adolescentes e adultos”, explica o coordenador, Gilson Gomes.

A estudante Júlia Maria Nunes tem 9 anos e é uma das participantes mais jovens do grupo. Ela conta que começou a frequentar as atividades através do convite de amigas vizinhas. “Quando eu entrei, tinha só 6 anos. Quando eu estou no balé, sinto uma alegria muito grande. E minha mãe fica muito orgulhosa quando me vê dançando.” Carlos Alexandre da Silva, 12, revela que perdeu a timidez quando começou a participar dos encontros. “Eu mal falava com as pessoas. Foi nas apresentações que eu perdi a vergonha. Hoje, não perco um dia de ensaio.”

Tem gente que está no grupo há quase 20 anos e hoje exerce a função de educador social. O multiartista Beto Bala tem duas décadas ininterruptas de dedicação ao balé. Ele coordena a área musical e ressalta que foi no quilombo urbano onde deu o primeiro passo na música profissional. “Foi através do Majê Molê que eu tive a oportunidade de viajar e mostrar o meu trabalho em vários países. Cheguei até a dividir palco com O Rappa no Video Music Brasil (VMB, premiação da antiga MTV) de 2001”, relembra. “Trazemos a vontade da liderança e mostramos que todos somos iguais. A nossa cultura é linda e precisa ser valorizada. Ecoamos o grito histórico dos africanos que aqui foram escravizados e resistiram contra os estalos do chicote”, acrescenta. “Quando damos as mãos e olhamos para as nossas veias, entendemos que somos uma grande árvore. E a raiz está justamente na união e na ancestralidade” reforça Beto Bala.

Além de posicionar os holofotes para a cultura da periferia, o coletivo defende com coragem o respeito às diferenças. Bianca Félix, 21, é mulher trans e negra. Ela conta que foi justamente dentro do grupo onde encontrou forças para resistir à transfobia. “Ser mulher negra e trans não é fácil e foi aqui onde eu encontrei uma família e fui respeitada da forma como sou. Já faz cinco anos e eu quero continuar mais e mais. Quando eu estou no palco para me apresentar, sinto uma emoção muito forte”, declara.

O Majê se mantém através de doações e parcerias. Contudo, nos últimos anos, o valor arrecadado não tem sequer dado para arcar com os custos básicos. Um grande sonho do grupo é ter a própria sede para expandir as atividades com as crianças. Gilson revela que muitas vezes precisa tirar dinheiro do próprio bolso para comprar lanche aos bailarinos. “Nossos encontros duram horas e muita gente sai de casa sem se alimentar por não ter o que comer. E, como de barriga vazia ninguém raciocina, a gente se junta e compra lanche. Seria bom que tivéssemos uma ajuda de custo para, pelo menos, pagar a alimentação”, afirma. Quem quiser ajudar o grupo pode ligar para os números (81) 98477-9837 ou 98883-0101.