Os vários mundos nas lentes de Arno Fischer A dividida Alemanha pós-Segunda Guerra Mundial e muitas outras impressões visuais do fotógrafo alemão pelo mundo estarão em exposição no Museu do Estado de Pernambuco até 18 de fevereiro

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 22/01/2020 03:00

Com o cessar da Segunda Guerra Mundial, em 1945, a cidade de Berlim já se encontrava dividida na dicotomia da Guerra Fria. O muro que separou os lados ocidental e oriental, no entanto, só foi construído em 1961. Existiu um período, menos relatado nos livros de história e na ficção, no qual era possível transitar entre esses dois mundos. O fotógrafo Arno Fischer registrou justamente essa fase da capital alemã em uma série chamada Situacion Berlin, censurada pelos soviéticos e lançada apenas quando o muro foi derrubado. Essas imagens chegam ao Recife dentro da exposição Arno Fischer - Fotografia, que terá vernissage amanhã, às 19h, no Museu do Estado de Pernambuco (Mepe), no bairro das Graças. A inauguração contará com a presença do curador Andreas Rost, que por muitos anos foi aluno e assistente de Fischer, falecido em 2011. A coleção de 104 fotos também exibe a visão do artista em torno do universo da moda, retratos de famosos e anônimos, além de impressões visuais de Nova York e Moscou. O acervo ficará exposto nas galerias Lula Cardoso Ayres e Vicente do Rego Barros até 18 de fevereiro.

A foto mais antiga da exposição foi feita em 1943, capturando o exato momento de um ataque a bomba em Berlim. “Foi preciso subir no telhado de uma casa, enquanto toda a população corria para abrigos”, explica Andreas Rost, enquanto passeia pelas duas salas da mostra, sempre indicando fotos mais marcantes. O curador explica que Fischer ficou órfão ainda cedo, sendo criado por um tio que integrava um grupo de resistência contra os nazistas. A associação chegou a ter membros presos e posteriormente assassinados. “Desde cedo, Arno Fischer conviveu com o medo”, diz. Logo ao lado da explosão, está uma foto do prédio que abrigava o escritório de Adolf Hitler. Uma das janelas abriga o símbolo Terceiro Reich. Ao lado, uma pomba representa a paz.

Fischer conseguiu captar uma civilização em constante adaptação, tanto pelo fim da guerra quanto pela divisão (ainda sem muro) entre sociedades capitalista e comunista. Em uma avenida do lado ocidental, é possível ver um homem com trajes que ainda respiram o período em guerra (jaqueta pesada e boina) ao lado de um outro bem mais elegante, de aspiração burguesa. Em outra calçada, mulheres ricas ignoram uma pedinte de expressão gélida. Em um comício político, um idoso aplaude em direção a uma Mercedes-Benz, símbolo capitalista. No lado oriental, uma mãe mostra ao filho uma vitrine cheia de medalhas dos soldados alemães, provocando uma expressão de fascínio na criança. Pessoas participam de um encontro para pedir que a Alemanha voltasse a ser como era antes da Segunda Guerra. “Arno olhava para as pessoas e se questionava: ‘Você era a favor do nacional socialismo? Você tinha interesse de me matar ou não?’”.

“No lado ocidental, ele não suportava a grande diferença entre ricos e pobres. E no lado soviético, também não gostava da imposição ideológica que existia naquele contexto”, continua o curador. “Isso fica claro na série, que surge como fotojornalismo e documentação. Quando você olha essas fotografias e reflete, as imagens soam como símbolos de uma época.” Depois que o muro foi construído e o livro Situacion Berlin foi proibido, Arno se frustrou e nunca voltou a fotografar a cidade.

Curiosamente, os registros de uma Alemanha dividida chegam ao Brasil em meio a um forte momento de polarização. Na última semana, um secretário de cultura do governo de Jair Bolsonaro foi demitido após fazer alusões nazistas em um vídeo. “Eu sou alemão e não tenho capacidade ou direito de julgar a política brasileira”, diz Andreas Rost. “Mas, como as próprias fotos demonstram, esse problema do fascismo é um problema muito antigo e recorrente. Precisamos estar sempre em alerta, lutando contra esses aspectos e nos fortalecendo contra isso.”

Nova York

Na época, os cidadãos orientais não tinham liberdade para viajar, mas Arno Fischer esteve no grupo seleto de artistas que pôde conhecer Nova York, centro do capitalismo mundial. Ele viajou acompanhado por um membro do partido soviético, que garantiria seu retorno. “O aspecto positivo que Fischer via em Nova York era essa liberdade ilimitada. O incômodo era esse capitalismo muito forte, com distância grande entre ricos e pobres, além do racismo. Ele notava que os negros tinham tratamento diferente”, explica Andreas Rost. As fotos na Big Apple capturam a rapidez da cidade, seu tamanho gigantesco e, consequentemente, a solidão das pessoas. “Um dos destaques dessa viagem é uma foto feita em um clube gay. Para ele, tudo aquilo era meio maluco.”