Bandas denunciam censura Grupos Devotos e Janete Saiu Para Beber relatam intimidações da Polícia Militar durante shows no carnaval por conteúdo de música de Chico Science

ANDRÉ SANTA ROSA
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Publicação: 28/02/2020 03:00

Duas bandas locais de rock escaladas em polos descentralizados do carnaval do Recife alegam terem sido impedidas por policiais militares de tocar músicas de Chico Science e Nação Zumbi. Uma canção, em particular, teria provocado intimidação por parte de PMs: Banditismo por uma questão de classe, do disco Afrociberdelia (1996), na qual um dos trechos diz “Em cada morro uma história diferente / que a polícia mata gente inocente”. A denúncia partiu do grupo Janete Saiu Para Beber.

A banda tocava na Rua do Apolo, no Bairro do Recife, na noite de segunda-feira, quando houve o atrito. “No início da apresentação, um grupo de policiais militares que estava circulando pela Rua do Apolo parou e ficou observando o show. Algumas das canções entoadas, como Sangue de bairro, Monólogo ao pé do ouvido e Banditismo por uma questão de classe, irritaram alguns dos policiais presentes, que foram questionar a produção do evento sobre o teor dessas músicas”, diz a nota emitida ontem pelo grupo. “Por conta disso, os policiais que estavam dialogando com os produtores ameaçaram prender o vocalista por desacato a autoridade e injúria e pediram o encerramento imediato da apresentação. Enquanto os policiais que permaneceram na frente da casa formaram uma barreira entre o palco e o público, intimidando todos os presentes”, relatou. Ao final do texto, a banda ainda relatou que o grupo Devotos e o cantor China passaram por situações parecidas - o primeiro no Polo Várzea, na terça-feira, o segundo na Lagoa do Araçá, também na terça.

Em entrevista ao Viver, o vocalista do Devotos, Cannibal, afirmou que a banda sofreu ameaças por tocarem duas canções, sendo uma delas a de Chico Science. “Estávamos cantando Banditismo e depois De andada, do nosso último disco. Aí o nosso roadie veio no meu ouvido e disse que a produção mandou avisar que se cantasse mais uma ‘falando mal da polícia’, o show acabava”, comentou.

O cantor diz que a atmosfera política tem intensificado esse tipo de ação. “Sempre sofremos muito, desde o começo da banda, quando a gente subia o Alto Zé do Pinho e na descida levava baculejo. Hoje em dia, é mais orquestrada por conta do governo que temos no país. É um retrocesso que está vindo aos poucos pela cultura.”

O cantor China se pronunciou através das redes sociais. “Final apoteótico com a polícia tentando encerrar o meu show na Lagoa do Araçá. Não sabia que era a polícia que cuidava do crono dos shows do carnaval”, criticou. Ao Viver, ele explicou que os shows estavam atrasados, então a PM pressionou para a produção encurtar a apresentação. “A forma como tudo aconteceu foi desrespeitosa com meu trabalho, minha equipe e o público que foi lá assistir”, disse. “São mais de 20 anos de carreira e nunca passei por uma situação dessas.”

Em nota, a PM afirmou que a invasão do palco durante os shows se deu por motivos de horário e negou qualquer tipo de proibição à alguma música.