JEFFREY EPSTEIN » Série da Netflix mostra rede que deu suporte a pedófilo

Publicação: 25/05/2020 03:00

Um pedófilo, estuprador e traficante de menores, que se passa durante anos por um bilionário boa-pinta e filantropo cheio de amigos influentes, não consegue tal imagem sozinho. Mais do que mostrar a trajetória de crimes e trambiques de Jeffrey Epstein, o grande trunfo do novo seriado documental da Netflix é evidenciar a rede de apoio e de consentimento de homens poderosos que possibilitou que Epstein se safasse por tanto tempo, silenciando e destruindo mulheres pelo caminho.

O ricaço jantava com prêmios Nobel, viajava de jatinho para sua ilha privada no Caribe com um ex-presidente americano e um príncipe inglês como convidados e, enquanto isso, aliciava adolescentes e as estuprava, por vezes emprestando-as a seus camaradas para o mesmo fim. Seu poder, seu dinheiro e seus amigos garantiram que dispusesse de jovens garotas como se dispõe de mercadorias.

Ao explicar toda a história do estuprador em série, de jovem que forjou um diploma a milionário que fez fortuna com trapaças e morreu na prisão, ouvindo jornalistas, ex-patrões, investigadores e advogados, a série consegue traçar o perfil do criminoso arrogante e autoconfiante que se vê acima da lei. Ao dar amplo espaço para os relatos das sobreviventes, permite que o espectador não apenas fique enojado ou revoltado como tudo isso pôde acontecer sob as barbas de tanta gente, mas que tome contato com o lado muitas vezes apagado de histórias como essa. Escutando mulheres comuns, muitas delas à época adolescentes, descrevendo a complicada teia de medo, privação, impotência, deslumbre e engano na qual se enredaram, é possível um vislumbre de todo o sistema que permite que aconteçam os abusos.

Nos anos 2000, uma repórter descobriu que duas irmãs haviam sido abusadas por Epstein, mas seu editor evitou que o caso, apenas a ponta do iceberg, viesse a público. Poucos anos depois, uma investigação policial tentou jogar luz sobre os crimes, mas um acordo na justiça deixou que ele apenas dormisse por alguns meses numa cadeia cheia de benesses e que suas vítimas fossem tratadas por prostitutas.

Ao construir a narrativa em camadas temporais, porém, o seriado confunde o espectador, que se esforça para guardar nomes, rostos e datas em meio a tantos vaivéns. Quando começaram as surgir as primeiras acusações contra Harvey Weinstein, percebeu-se que, como bonecas recortadas em papel dobrado - imagem sugerida por uma das sobreviventes na série -, uma mulher que fala puxa outra. No caso Epstein não foi diferente. Sem surpresa, os dois confraternizaram diversas vezes. E com eles, muitos outros. (Folhapress)