POEMAS » Um livro para o leitor também virar autor

ANDRÉ SANTA ROSA
andre.rosa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 26/05/2020 03:00

Após 13 anos trabalhando com edição de livros, Fred Caju lança um projeto de investigação sobre as fronteiras entre autor, leitor e editor. O livro O espanto de quem lê para não esquecer é uma obra mutante, feita em conjunto com o leitor, que tem a oportunidade de organizar 20 poemas de Fred, de até 20 versos, em um arranjo único.

O projeto busca uma posição mais proativa do leitor que a de costume, para ele compartilhar a autoria, como organizador. Para isso, é preciso entrar em contato com Fred Caju através do Instagram (@caju.fred), mandar o título, um trecho ou o texto completo - basta ter até 20 versos e ser da autoria de qualquer obra de Fred. Depois de editado, será produzido, e o leitor-editor receberá um exemplar físico na sua casa, num esquema de produção por encomenda.

Segundo o autor, a ideia surgiu enquanto lia um livro da coleção Editando o editor, da Editora da Universidade de São Paulo (EdUSP). “Estava analisando o que eu tinha de estoque na editora (a Castanha Mecânica), já que está mais complicado de pegar material nesse momento de pandemia. As pessoas chegavam no meu direct e falavam que tinham uma pasta, salvaram os textos que mais gostam. Então pensei nesse desafio, criar uma antologia, mas extremamente intimista, onde cada exemplar é único”, diz Fred, sobre o processo de composição da experimentação, que o coloca em uma posição diferente da que costuma estar tanto como editor, quanto como autor.

Nesse processo de se autopublicar a partir do olhar de leitores, o autor encontrou também descobertas e ressignificações sobre suas próprias obras. “Se for um poema de cada livro que eu fiz, você pode fazer. Eles podem ser lidos no Calaméo (calameo.com), um site de leitura on-line, que tem todos os livros da Castanha Mecânica. Para mim, receber uma seleção é sempre um processo muito doido, porque eu volto para processos antigos, para outros textos, que nas mãos das pessoas eu me redescubro. Eu já tive alguns pedidos da antologia e vi poemas que eu meio que renegava, mas que quando tomava contato com outros conseguia ganhar um novo ar. É um processo de redescoberta como escritor, mesmo sem escrever”, afirma.

O título de O espanto de quem lê para não esquecer foi ideia da revisora, Raíza Hanna, namorada de Fred, que o escolheu a partir de um poema dele. O trecho busca justamente esse processo do poema que, depois de lido, fica na memória. “Ele vai buscar no leitor-editor uma memória, um afeto, que ficou, ele memorizou.” É um modelo de criação que só poderia acontecer a partir de um projeto artesanal, já que seria impossível para uma gráfica ordenar diversas versões de um mesmo livro. Ainda que em plena produção, o autor não sabe até quando durará a iniciativa, mas dificilmente pós-pandemia, por demandar um tempo muito específico de elaboração.