O pioneirismo pernambucano A televisão chegou ao Brasil em 18 de setembro de 1950 e demorou uma década para estrear em Pernambuco, mas o estado foi vanguarda na região

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 18/09/2020 03:00

Celebrada por vários meios de comunicação hoje, a chegada da televisão no Brasil, há exatos 70 anos, foi um evento restrito a São Paulo, com a inauguração da TV Tupi, do paraibano Assis Chateaubriand. No restante do Brasil, no entanto, demorou quase duas décadas para os aparelhos penetrarem massivamente os lares. Em Pernambuco, a primeira demonstração foi realizada em 23 de outubro de 1954, durante evento de aniversário da Rádio Clube, em frente à Pracinha do Diario, no Centro do Recife. Apesar das desigualdades regionais, Pernambuco foi o primeiro estado do Nordeste a inaugurar emissoras de televisão: a  TV Rádio Clube e a TV Jornal do Commercio, ambas em junho de 1960.

Centro comercial e intelectual da região, Pernambuco tem a marca do pioneirismo - a Rádio Clube, por exemplo, foi a primeira estação a utilizar transmissor de frequências moduladas, em 1919. O Diario de Pernambuco, a Rádio Clube e a Rádio Tamandaré faziam parte do grupo Diários Associados, de Chateaubriand, o que colocava o estado na frente da corrida pela TV. Na edição do Diario de maio de 1957, o próprio Chatô demonstrava fazer questão de que Recife ganhasse uma TV antes de Salvador, que já preparava a TV Itapoan, fundada em novembro de 1960.

Em 1954, a primeira exibição de TV foi um grande evento no Recife. Como presente pelos 31 anos da Rádio Clube, Chatô enviou à capital uma equipe técnica da TV Tupi do Rio de Janeiro, acompanhada de pequenas estações portáteis. Uma foi instalada no segundo andar da antiga sede do Diario, e outra no Palácio do Rádio, antiga sede da Clube na Cruz Cabugá, para dar aos recifenses uma demonstração curiosa do que era uma TV.

“São aparelhos pouco maiores que os receptores comuns, de mesa, tendo além de alto-falante, o vídeo, ou seja uma tela de vidro (onde o rádio habitualmente tem um painel de tecido)”, tentava explicar o Diario, nas vésperas do evento que reuniu uma multidão na Pracinha num sábado. Três TVs foram instaladas em frente do Diario. A primeira imagem a surgir foi a do locutor Mário Teixeira, anunciando uma apresentação de Nelson Ferreira. Em seguida, Dona Pinoia e Seus Brotinhos - Otávio Augusto e Aldemar Paiva - também fizeram suas participações no que foi uma noite de rádio filmada. Radioatores também estrearam como teleatores: Evandro Vasconcelos, Carolina Cavalcanti, Joel Pontes, entre outros.

Após essa primeira experiência, naturalmente o Recife se questionou: “Quando teremos a nossa própria TV?”. “E a resposta é esta: Paulo Afonso nos dirá”, registrou o Diario em 29 de outubro de 1954, se referindo a usina hidrelétrica da Chesf. A estreia também dependia da melhoria econômica do Nordeste, já que os aparelhos tinham preços impopulares. Demorou-se a década inteira para, em 1958, confirmar-se a proposta de instalação da TV Rádio Clube (canal 6).

O pernambucano Jorge José B Santana, 80, estava entre os funcionários do primeiro curso de preparação de equipes, ministrado por Péricles Leal, em 1959, especialmente para a TV Rádio Clube. “Foi a primeira vez que vi um televisor. Em janeiro de 1960, começamos a fazer programas experimentais. No final de maio, fomos surpreendidos pelo diretor Almeida Castro. Ele explicou que a TV tinha de ser inaugurada em junho, pois ficaram sabendo que a TV Jornal do Commercio estava para inaugurar naquele mês. E saímos na frente, com uma programação que começava às 11h30 e ia até 21h30. Existiam programas musicais em um grande teatro, além de uma novela chamada O ruído do silêncio, que tinha dois capítulos por semana.”

Autor do livro A televisão pernambucana: por quem a viu nascer, José Jorge viu como a TV impactou o cotidiano recifense. “A classe artística ficou muito feliz, pois ganhou mais espaço. Antes, as pessoas ouviam as radionovelas e imaginavam os rostos. Ver isso se transformando em imagem era fascinante. Mudou hábitos, costumes e a indústria do entretenimento.” Ele relata que a acessibilidade ao televisor foi se ampliando gradualmente. “No começo, existiu a instituição dos televizinhos. Quem comprava uma TV tinha o prazer de colocar na janela e mostrar para a rua. Todos saíam a assistiam conjuntamente.”

Em 18 de junho de 1960, entrou no ar a TV Jornal do Commercio, sediada em prédio da Rua do Lima, Santo Amaro, sendo propriedade de F. Pessoa de Queiroz. A empresa tinha uma equipe formada no Sudeste e se destacava pelos equipamentos de padrão europeu. Em 1968, foi inaugurada a primeira emissora educativa do Brasil: TV Universitária, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), embrião da comunicação pública no Brasil.

A Globo só chegou ao Recife em 1972 - antes disso, seus telejornais eram exibidos através da TV Jornal. Em 1980, o governo federal cassou as concessões de TV da Rede Tupi, incluindo aí a TV Rádio Clube. Quem preencheu o vácuo foi a Manchete, que acabou no final dos anos 1990. A atual TV Clube começou sendo TV Guararapes, mudando de nome em 2006. Com uma longa história, a TV segue registrando o cotidiano de Pernambuco.