Rostos que contam histórias Personagens da periferia protagonizam a nova exposição do artista plástico holandês radicado em Pernambuco Roberto Ploeg, a partir de hoje, na Arte Plural Galeria

EMANNUEL BENTO
emannuel.bento@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 02/12/2020 03:00

Quarenta e sete rostos contam histórias, seja no resgate de referências da vida do artista plástico Roberto Ploeg, na representatividade de personagens da periferia ou na criação de elementos artificiais dentro da linguagem do realismo. Através das técnicas pictóricas, as histórias de cada retrato são criadas a partir dos imaginários afetivos, políticos e artísticos dos visitantes da exposição Ploeg e outras narrativas, do pintor holandês radicado em Pernambuco, na Arte Plural Galeria (Rua da Moeda, 140, Bairro do Recife).

Ploeg comemora 25 anos de carreira nas artes, enquanto a Arte Plural completa 15 anos de funcionamento. Após quase um ano de portas fechadas por conta da pandemia, a galeria receberá visitas nas segundas, quartas e sextas, das 10h às 17h. Aos sábados, com agendamento por telefone (3424-4431) ou e-mail (contato@artepluralgaleria.com.br), vão ocorrer visitas guiadas com o artista para pequenos grupos.

O pintor veio para Pernambuco quando conheceu Dom Helder Camara, em 1979, na Holanda. O arcebispo fazia uma das costumeiras viagens à Europa para discursar sobre o autoritarismo e refugiados políticos da ditadura brasileira. Interessado na teologia da libertação, Ploeg morou no Recife, na Zona da Mata pernambucana, em Campina Grande (Paraíba) e em Olinda, onde finalmente expandiu os seus horizontes nas artes. Ele viveu uma época movimentada do Museu de Arte Contemporânea de Pernambuco, no Carmo, quando por lá circulavam artistas como José Carlos Viana, José de Moura e Delano. Também frequentou o ateliê coletivo de Rua São Bento, com nomes como Gil Vicente, Samico, Maurício Arraes e Luciano Pinheiro, que é o curador da nova exposição.

Apesar de viver 40 anos em Pernambuco, Ploeg nunca abandonou um certo olhar estrangeiro no sentido de enxergar o diferente no que é aparentemente corriqueiro para recifenses. É o que se vê, por exemplo, em Menino com gaiola (2020), obra que integra um conjunto de retratos de personagens que o artista conheceu durante passagens e estadias pelas periferias do Grande Recife. “Como teólogo engajado com comunidades de base, eu sempre morei e trabalhei com pessoas de periferia. A minha leitura no Brasil tem esse lugar, embora eu seja da classe média”, explicou o artista, em visita guiada para a imprensa.

Em Um rei africano em Olinda (2020), um gari negro, amigo do artista, é colocado em posição imponente em uma ladeira do Sítio Histórico. “Ele está entre a Igreja de São João, que é a igreja dos militares, e a cabine da polícia no carnaval. Quero denunciar como o negro ainda é visto como problema de segurança e está em posições subalternas, apesar de seu protagonismo na nossa cultura e história”, explica Ploeg. Sou mais Nil Motos (2011), que retrata uma paisagem da esquina da casa do pintor, ou Travessia (1998), que surpreende pela variedade de estampas na casa de uma mulher religiosa, são outros exemplos da imersão nas periferias.

A vivência na Holanda também está representada em Babyboomers, meus irmãos e meus primos (2018) e Babyboomers, minhas irmãs e minhas primas (2017), duas telas grandes que retratam fotos da extensa família do artista no começo da década de 1960.

O país de origem também está presente nos traços. Ploeg é inspirado pelo realismo holandês, escola que cresceu junto com a ascensão da burguesia no século 17. “Com Vincent van Gogh, ganhamos mais liberdade de cor, com Piet Mondrian temos abstração intelectual. A história da pintura holandesa diz muito sobre minha obra, pois me considero um pintor ocidental”, conta o Ploeg, que ressalta por diversas vezes admiração pelo pintor britânico Lucian Freud, neto de Sigmund Freud, conhecido também por retratos mais rústicos, bastante realistas. Na Arte Plural, a inspiração no inglês é constatável em Minha mãe aos noventa anos (2011), que reforça a narrativa autobiográfica da exposição.