É hora de "desprincesar" Oficina lançada para trazer novas percepções de princesas e possibilidades de empoderamento ao gênero do conto de fadas

DANILO LIMA
danilo.lima@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 25/09/2021 03:00

Era uma vez os contos de fadas, histórias surgidas na Europa medieval, mas adaptadas para o público infantil a partir do século 19, consolidando-se como um dos mais influentes gêneros narrativos no imaginário popular. Muitas vezes, contudo, as representações típicas desses contos não condizem com a realidade atual ou muito menos abarcam a diversidade sociocultural do planeta, principalmente no que tange às figuras femininas. Por isso, com o intuito de refletir sobre novas percepções de princesas e possibilidades de empoderamento para o gênero, a ativista, professora e doutora em educação Rosangela Hilário criou a oficina Desprincesando o conto de fadas, que integra o projeto Arte da Palavra da Rede Sesc de Literatura.

Direcionada para professores, escritores, contadores de histórias, pais e até mesmo crianças a partir dos 12 anos, a oficina será ministrada desta segunda até sexta-feira, das 19h às 21h, em formato on-line. As inscrições são feitas no site cursos.sescpe.com.br e custam R$ 20 (trabalhadores do comércio ou dependentes) e R$ 40 (público geral). Pernambuco é o sexto estado do Nordeste a receber a oficina, que já passou por quase toda a região Norte e alguns estados do Centro-Oeste. “Em cada um dos estados, eu tive uma resposta diferente, mas sempre positiva”, conta a professora, que está reunindo as pequenas histórias produzidas para a criação de um livro.

Ainda que o termo tenha sido cunhado no século 17, os contos de fadas vêm de uma tradição oral muito mais antiga, na qual retratava fantasiosamente questões próprias da Europa medieval. Devido ao seu contexto, as princesas quase sempre correspondem a mulheres brancas e de uma linhagem nobre ou em ascensão, mas que dependem da presença masculina para completar seus objetivos de vida. “Os contos de fadas, tais quais foram concebidos, perfilavam representações que serviam e cabiam a este momento histórico: de figuras femininas, de finais felizes, de vilões e mocinhos que estavam organizados a partir de uma visão eurocêntrica, masculina e branca do mundo. Nesta visão, não cabiam escolhas para mulheres que não fossem o ‘príncipe encantado’, a submissão, a discrição e a beleza estética”, afirma Rosangela.

A desconstrução desse imaginário também passa inevitavelmente pelo âmbito estético, no qual inúmeras meninas não se enxergam representadas nas personagens, pela ausência de princesas das mais diversas formas e etnias. A oficina então trabalha em cima de exemplos contemporâneos de escritores que buscam mudar essa abordagem, como Davi Nunes, autor de Bucala: a pequena princesa do Quilombo do Cabula, e Rodrigo França, que escreveu O pequeno príncipe preto. Segundo Rosangela, a literatura africana e a literatura de cordel são duas boas fontes disso, ao ressignificar contos mostrando que “do seio do povo acabam nascendo heroínas incríveis”.

Essa modernização não está restrita à literatura, mas já compreende o mundo da cultura pop em geral nas últimas décadas. A Disney, uma das maiores responsáveis por consolidar e difundir a figura das princesas tradicionais no século 20, tem buscado atualizar seus novos filmes com protagonistas mais independentes e poderosas, como visto em Valente (2012), Frozen (2013), Moana (2016) e Raya e o Último Dragão (2021). “Essa nova concepção, o cinema já está tomando para si, quando faz uma revisão de Malévola, por exemplo. Mulheres inteligentes nos contos clássicos são sempre retratadas como bruxas, porque assustam os homens. O cinema, antes da literatura até, está revendo isso”, afirma a educadora.

Questionar o imaginário popular das princesas não significa, porém, banir o conto de fadas como instrumento pedagógico das crianças. “O conto de fadas tem um papel fundamental na educação, um papel de encantamento. Mas as crianças não se encantam mais por pessoas covardes, que não vão à luta, como eram as princesas tradicionais. Abolir nunca, mas talvez seja preciso uma ressignificação do gênero e novos entendimentos para os finais felizes”, conclui Rosangela.