O maestro da música afro-brasileira Criador e líder da Orkestra Rumpilezz, expoente da moderna música brasileira com raízes africanas, Letieres Leite morreu ontem aos 61 anos

Mariana Peixoto
DO ESTADO DE MINAS

Publicação: 28/10/2021 03:00

Maestro, compositor, arranjador, saxofonista, flautista, percussionista, produtor, professor, o baiano Letieres Leite, falecido ontem, aos 61 anos, atuou em todas as frentes da música. Tanto que sua morte súbita, em decorrência da Covid-19 - ele sofria de asma crônica e seu quadro foi afetado com a doença -, foi lamentada por um número igualmente grande e diverso de profissionais do meio.

Foi o músico que acompanhou Ivete Sangalo por 12 anos: “Meu amigo genial. Só aprendi coisas maravilhosas com você”. Foi o produtor e arranjador que trabalhou nos mais recentes álbuns, incluindo Noturno, lançado em julho. Foi também quem orquestrou a canção Pardo, de Meu coco, novo álbum de Caetano Veloso (que revelou que foi ainda Letieres quem ensinou seu filho Zeca a surfar). Foi ainda quem fez Ed Motta chorar - ontem, sob o impacto da notícia, o músico disse, durante live, que “nós precisamos honrar esse cara”.

Mas a música de Letieres foi muito além de sua atuação ao lado de nomes célebres. Além de seu trabalho individual, desde 2006 ele esteve à frente da Orkestra Rumpilezz , com quem lançou dois álbuns. A formação (19 músicos mais o maestro), que passou por diferentes formações, é uma orquestra de afrojazz

A palavra “rumpilezz” já explica muito: ela junta o nome dos três principais atabaques do candomblé (ru, o tom grave; rumpi, o médio; e lé, o agudo) mais os dois Z do jazz.

A orquestra acabou gerando um projeto social, também em Salvador. Rumpilezzinho é um laboratório musical que ensina a música de matriz afro-baiana para jovens de 15 a 25 anos.

O método foi criado pelo próprio Letieres, que lançou, em 2017, um livro sobre ele. Para um músico que atuou em tantas e diversas frentes, Letieres teve um início de carreira incomum. Tinha 13 anos quando expôs, na Biblioteca Central de Salvador, pinturas e gravuras. Também já tocava - foi integrante da orquestra afro-brasileira do Colégio Severino Vieira - mas ao entrar na faculdade, escolheu artes plásticas na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Ainda que tenha sido o “universo percussivo baiano” o norte de sua música, foi no Sul do país que viveu na juventude. Morou em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, onde fundou bandas e atuou ao lado de músicos como Nei Lisboa, Renato Borghetti e Antônio Villeroy. Foi para a Europa nos anos 1980.

Em Viena, capital da Áustria, estudou no Conservatório Franz Schubert. Tocou com muitos grandes do jazz como Paulo Moura, Hermeto Pascoal e Raul de Souza . Depois de uma década fora do país, retornou à Bahia, onde passou a dividir sua agenda entre aulas de música, shows e gravações de vários artistas.
 
Homenagem
Uma das parcerias feitas por Letieres Leite foi com os pernambucos do Grupo Bongar. A banda, inclusive, vai realizar uma homenagem ao multiartista durante live hoje, às 19h, na programação do Palco Virtual do Itaú Cultural. No repertório, estarão canções do álbum Ogum Iê!, produzido pelo maestro baiano em 2017. Também vão tocar músicas dos discos Ogum de Ronda e Ogum Onirê e farão depoimentos sobre a importância de Letieres para o grupo, que tem raízes na nação Xambá, em Olinda. A apresentação é gratuita, e os ingressos podem ser reservados pela plataforma Sympla.
 
Depoimentos

CAETANO VELOSO

“Acabo de receber a notícia inaceitável: Letieres Leite faleceu. Formado pela prática nos trios elétricos, autodidatismo, cursos específicos na UFBA e por estudos em Viena, esse portento da música, há anos à frente da Orkestra Rumpilezz, aquele deslumbramento de sopros e percussão, e do requintado Quinteto que leva seu nome, Letieres teve diálogo com as mais densas expressões da música brasileira, de Moa do Catendê a Toninho Horta, passando por Hermeto Paschoal, Daniela Mercury e Lulu Santos - além de ter sido, por anos, a base do trabalho de Ivete Sangalo. Arranjou o álbum recente de Bethânia e também o show que o antecedeu. Orquestrou a faixa Pardo do Meu Coco. Conversar com ele era ganhar uma aula sobre claves rítmicas e gostos harmônicos. Estou arrasado com a notícia de sua morte. Ele era muito próximo. Ensinou meu filho Zeca a surfar, quando ele era menino. A música baiana, a música brasileira, a música perdeu hoje um dos seus maiores formadores. A vida perdeu um dos seus mais dignos representantes.”

IVETE SANGALO
“Meu amigo genial! Só aprendi coisas maravilhosas convivendo com você. A Deusa música nos uniu e me presenteou com essa alma linda que é a sua. Estou triste por sua partida. Não esquecerei jamais as inúmeras contribuições à música e à minha carreira, pois o seu talento é poderoso demais. Nossas viagens e nossos segredos. Te amo maestro, por tudo e por nossa amizade eterna. Siga em paz”

EMICIDA
“Na rítmica de cada rima dessa sua, tem um orixá dançando dentro. Meu amigo e mestre Letieres Leite, nos deixou hoje. Meu peito está em frangalhos. Olhos cheios de água e uma saudade que a partir de agora, só aumenta. Obrigado por todas as aulas mestre. Não estou acreditando…”