Um pouco de Lailson em tudo Nas charges, nos cartuns, na ilustração, na música, nas pesquisas, na curadoria de eventos, o recifense Lailson de Holanda deixou sua marca, que não se apaga com sua morte, ocorrida ontem, aos 68 anos

Rostand Tiago e João Rêgo
edviver@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 27/10/2021 03:00

Lailson de Holanda marcou seu nome na cena cultural pernambucana por meio de seus traços, suas palavras e seus sons. Foi chargista, cartunista, ilustrador, curador, pesquisador e músico, realizando grandes trabalhos em cada uma dessas áreas. O multiartista faleceu ontem, aos 68 anos, em decorrência de complicações da Covid-19. Ele se recusou a tomar as doses da vacina contra a doença, mesmo sendo do grupo considerado de risco. O funeral foi realizado na tarde de ontem, no Memorial Guararapes, e o corpo seguiu para cremação

O início de Lailson nas charges foi ainda na adolescência, quando morava nos Estados Unidos, publicando no jornal escolar The Pine Cone, no estado do Arkansas. Em Pernambuco, publicou no Jornal da Cidade no começo dos anos 1970, mas foi em outra publicação que seu humor e seus desenhos ganharam uma grande impulsão: a página de humor Papa-Figo, publicada em seus primeiros anos no Jornal da Semana e que em seguida ganhou formato avulso independente.

“A gente se reunia na casa de Lailson, no Espinheiro, e era uma criação coletiva. A gente não gostava de chargista editorial, que vê o que o jornal vai publicar e faz algo em cima. A gente gostava de fazer nosso trabalho em cima do que estava na boca do povo, e Lailson era muito bom nisso”, relata Manoel Bione, um dos cofundadores do Papa-Figo, ao lado de nomes como Ral e Paulo Santos. Dentre os criadores de humor gráfico da publicação, o colega de trabalho considerava o traço de Lailson como fino e rebuscado, além do texto ferino.

Em pouco tempo, seu nome e seu humor já eram reconhecidos nacionalmente. “Na noite de sábado, 30 milhões de brasileiros ouviram o nome de Lailson de Holanda Cavalcanti, do Recife. Dentre esses espectadores, se incluía o próprio. Foi anunciado o vencedor do Quarto Salão de Humor de Piracicaba”, noticiava o Diario de Pernambuco, em agosto de 1977, ao ser reconhecido entre 417 cartuns de 12 países no mais importante prêmio do humor gráfico brasileiro. Na ocasião, ele declarou que o mercado de trabalho no Recife era difícil para os ilustradores.

“É preciso que os jornais se conscientizem da importância dos cartuns e das histórias em quadrinhos nacionais. Que fale dos problemas extraídos da realidade em que vivemos. Que as empresas também reconheçam os ilustradores, profissionais tão sérios como jornalistas.  A exceção na imprensa é o Clériston, no Diario de Pernambuco, mas do outro lado da página de opinião há uma charge americana. Esse espaço também poderia ser ocupado por alguém daqui”, declarou o chargista na época. E esse espaço de fato foi ocupado por esse alguém daqui naquele mesmo ano. O próprio Lailson publicou seu trabalho no Diario até 2005.

Nesse meio tempo, Lailson viu seu trabalho alcançar vitrines importantes como O Pasquim - que passou a publicar O Papa-Figo nos anos 1980 - , lenda do jornalismo alternativo e humorístico do país, por onde passaram nomes como Jaguar, Henfil e Ziraldo, participando também de reuniões posteriores do grupo, como na Revista Bundas e O Pasquim 21. Também colaborou com a edição brasileira da popular revista Mad e teve sua obra publicada em jornais e revistas do mundo todo.

Se dedicou também ao humor gráfico não só enquanto artista, mas também como pesquisador, produzindo trabalhos sobre o tema pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pela Universidade de Alcalá, na Espanha. Foi membro fundador da Associação Brasileira dos Cartunistas e criador/curador de diversos festivais, como o Salão Nacional de Humor de Pernambuco e o Festival Internacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco. Também se dedicou a produzir biografias, seja em quadrinhos, como foi o caso de Joaquim Nabuco em A Voz da Abolição, publicado pela editora Massangana em 2010, ou em texto, com Magdalena Arraes: A dama da história, escrito ao lado de Valda Colares e publicado pela Cepe Editora.

O adeus em forma de arte
O Diario de Pernambuco convidou alguns colegas de ofício de Lailson de Holanda para registrar uma homenagem. Como o tempo foi curto, nem todos que se dispuseram a fazer conseguiram enviar o material, mas ficam aqui os belos registros de Samuca, Jarbas e Clériston, e de Silvino na página 12.

Depoimentos

"O que ele deixa de maior legado é ser esse exemplo de pessoa. De honestidade, de bom humor, de alguém que sempre lutou por justiça social e que tentava trazer o humor para transformar as pessoas. Ele era uma pessoa muito sensível, mas muito alegre, sempre tinha uma piada para contar, tinha uma graça imensa para lidar com as situações mais difíceis."
Isabela de Holanda, filha de Lailson

"Foi um choque, porque eu estava na casa dele na sexta retrasada e no domingo ele foi internado. E agora veio a falecer. Ultimamente, a gente estava fazendo muitas parcerias aqui no estúdio aqui em casa, compondo, tocando músicas antigas e fazendo músicas novas. Eu também acabei de escrever um livro, e ele que desenhou a capa e escreveu a orelha. Era uma relação de arte e amizade muito grande."
Zé da Flauta, músico

“Lá se foi Lailson, um dos maiores e mais geniais cartunistas brasileiros, além de músico parceiro de Lula Côrtes. Descanse em paz, amigo.”
Xico Sá, jornalista e escritor

"É com tristeza que soube do falecimento do cartunista Lailson, querido amigo que muito admirava. Pernambuco, em sua arte, fica mais empobrecido hoje. Minha solidariedade aos familiares. Um pouco antes de adoecer, ele esteve comigo, na Fundaj, e conversamos sobre projetos, no futuro próximo. Iremos fazer uma homenagem ao mesmo e, em breve, anunciaremos."
Antônio Campos, presidente da Fundaj