Sete vidas para celebrar Edson Nery Conhecido por sua paixão pelos gatos, sumidade da biblioteconomia tem seu centenário comemorado em exposição promovida pela Fundaj em Olinda

Publicação: 07/12/2021 03:00

Gatos nas paredes, em quadros, pesos de papel, estátuas, chaveiros e bibelôs de toda sorte. A casa do escritor e bibliotecário Edson Nery da Fonseca (1921-2014) no número 90 da Rua do São Bento, em Olinda, já foi um verdadeiro templo felino. Eram mais de 1,8 mil enfeites sobre o tema e não podiam faltar eles, claro. Eram mais de 50, com destaque todo especial para Daminha, Rosinha, Chiquinha, Princesa e Fernando. Uma paixão que direciona a exposição As 7 vidas de Edson Nery da Fonseca, que a Fundação Joaquim Nabuco lançou ontem, data em que o homenageado celebraria seu centenário. A montagem ocupa o Ateliê Arte Machê Café, no mesmo número 90 onde Edson viveu, e conta com registros da jornalista e fotógrafa Malu Didier.

“É com alegria que a Fundaj celebra o centenário desse grande documentarista, bibliotecário, escritor e amigo Edson Nery da Fonseca. A Fundação foi sua casa e lhe deve essa justa homenagem”, ressalta o presidente da Fundaj, Antônio Campos. A programação começou com um concerto da Orquestra Sinfônica dos Meninos de São Caetano, no Mosteiro de São Bento. Edson foi oblato beneditino, um leigo dedicado à Ordem. A mesma orquestra apresentou um repertório popular no Ateliê.

“As setes vidas se manifestam nas sete faces de um autor devoto do catolicismo, de Gilberto Freyre, da literatura, das bibliotecas e da poesia. Não menos na virtude com que exerceu a docência universitária e a administração pública”, aponta o diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca), da Fundaj, Mario Helio, que divide a curadoria com a jornalista Karla Veloso.

O bibliotecário revelou o motivo da paixão por bichanos em uma de suas últimas entrevistas, à revista Piauí. “Minha mãe gostava de gatos e ela morreu muito jovem, com 52 anos. Dias depois, a gata dela, Catuxa, morreu de desgosto. Achei muito leal”, assinalou. Nos anos 1960, quando ele se mudou para integrar o corpo docente da Universidade de Brasília (UnB), adotou o primeiro gato por conta de ratos no imóvel onde morava sozinho. Um bichinho que ganharia o prestígio de companheiro com o fim dos invasores. De certo, a espécie foi testemunha das façanhas e versatilidade deste pernambucano do Recife. “Homenagear Edson é homenagear todos os gatos do mundo”, aferiu o antropólogo Antonio Motta.

Desde o dia 30 de novembro, a série homônima As 7 vidas de Edson Nery da Fonseca tem ganhado dia a dia nas redes sociais da Fundaj, no Instagram e YouTube, sempre às 17h. São depoimentos sobre nuances do homenageado, divididos por quem conviveu ou tem alguma relação com sua obra e legado.

Edson Nery da Fonseca é considerado o papa da biblioteconomia no Brasil, pois teve papel imprescindível na criação dos primeiros cursos universitários da especialidade. Sua colaboração garantiu a modernização das bibliotecas brasileiras no século 20, o que lhe permitiu estar sempre ao lado de grandes nomes. Era um leitor fervoroso e apaixonado pelo sociólogo Gilberto Freyre, de quem foi amigo.

Na profissão pela qual é reconhecido até os dias atuais, o pernambucano registra marcos como a criação da Biblioteca Central, da Universidade de Brasília (UnB), onde formatou também o curso de Biblioteconomia. Colaboradora do Programa Memória do Mundo, da Unesco, a socióloga Gilda Verri lembra que foi convidada para cursar o mestrado na UnB por sugestão de Nery. “A partir do convívio com ele minha admiração por seu trabalho com bibliografia (disciplina de Ciência da Informação) cresceu. Ele trouxe para o país questões bibliográficas no campo das Ciências e das Humanidades”, destaca Verri, que também é formada em Biblioteconomia.

No Distrito Federal, Nery da Fonseca tem sua assinatura também no acervo da biblioteca do Palácio da Alvorada. O projeto foi confiado a Antônio Houaiss e Francisco de Assis Barbosa, mas coube a ele a compra, tombamento e catalogação dos exemplares. Na cidade natal Recife, ele fundou o primeiro curso de Biblioteconomia do Nordeste e reformou as bibliotecas da Faculdade de Direito e da Escola de Engenharia.

Autor de Introdução à Biblioteconomia, o bibliotecário foi um forte defensor da informatização dos acervos, ainda que muitos colegas o criticassem por acreditar que a modernização acabaria com o valor do livro.

Professora especializada em necessidades específicas, Lúcia Fonseca de Melo é sobrinha do homenageado e recorda a paixão do tio pelos livros. “Aos 92 anos, ainda pedia que comprássemos seus livros”, conta, ao revelar que os novos títulos precisavam ser destacados da capa e entregues em parcelas menores para que ele pudesse segurá-los.

Antes de vender sua coleção para o empresário Ricardo Brennand, em 2001, o bibliotecário reuniu um volume de 11,7 mil livros. Nas  coleções, títulos de Salvador Dalí, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e T. E. Lawrence, além, claro, de Gilberto Freyre.

Dentre os seus orgulhos  estava o título de maior especialista da obra do sociólogo. Mas não apenas. Foi também amigo pessoal do autor de “Casa Grande & Senzala” e idealizador da Fundaj por 47 anos.