As raízes de Tim Mil coisas invisíveis consolida a trajetória de Tim Bernardes, em disco com 15 canções que transitam do externo ao íntimo

Pedro Ibarra
Do Correio Braziliense

Publicação: 04/07/2022 03:00

“De fato um ciclo fechou outra vez”, canta Tim Bernardes em Fases, segunda faixa do álbum Mil coisas invisíveis, que, por sua vez, é o segundo disco de estúdio do artista. Lançado em 14 de junho, o trabalho é o primeiro desde o disco Recomeçar, de 2017. Tratando de temas como a vida adulta e o inconsciente, mas também fazendo canções pessoais e íntimas, o vocalista do O Terno dá um passo importante na carreira solo e se estabelece não só como um adulto, mas em uma nova fase como figura central da geração musical que faz parte.

Com 15 músicas, o disco é um passeio pelos quase dois anos que Tim levou para fazê-lo. “Um processo de compor que é lírico e do coração”, classifica o cantor. Ele se recorda que tinha 10 ou 15 músicas quando entrou no estúdio, mas conforme foi desenvolvendo o projeto foi compondo mais e encontrando o conceito que queria do disco. “Eu comecei a sacar, quando vi as músicas juntas, que o álbum tem uma coisa de realismo fantástico, uma metafísica. Além de canções diretas e objetivas, mas também com emoção e um elemento transcendental nelas.”

“Eu queria que esse álbum fosse mais eclético para não ficar martelando na mesma tecla de que todo disco tem que ser conceitual ou tem que ter uma razão complexa de ser”, conta. Dessa forma, o fio condutor foram as músicas que ele mais gostava dentro do processo que ele mergulhou quando tudo parou com a pandemia em 2020. Canções mais animadas são contrapostas a mais calmas e músicas longas têm o mesmo espaço que as curtas. “Tentar mostrar os vários lados, mais ecléticos, mas sempre tendo uma coesão”, analisa.

Os temas passam do mais romântico, como a excelente BB (Garupa de moto amarela), ao mais existencial, com faixas como Meus 26 e a própria Fases. Essa modulação de temas, sentimentos é que dá o nome ao trabalho. “É como se eu estivesse operando coisas invisíveis. São ferramentas e recursos para expressar coisas abstratas e sentimentos”, reflete o artista. “Canto sentimentos que eu sinto, é uma forma de pensar, como que eu lido com as questões de ser da minha idade em 2022.”

A vida adulta é talvez um dos principais focos. Por ter iniciado a carreira muito jovem no O Terno, ele viu o próprio amadurecimento no mercado musical e usa o álbum para fazer o questionamento: “O que vem agora?”. “A impressão que a gente tem é que uma hora você vira adulto e pronto, velocidade de cruzeiro, fim. Não é assim, eu sigo vivo. Quero saber o que está acontecendo. O desenvolvimento e o aprendizado continuam depois da faculdade. Muita coisa segue mudando, mesmo que meu corpo não transpareça isso sempre.”

Tim usa o álbum para apresentar o mundo pelas próprias lentes. “Sinto que estamos mudando de fase e de era. Essa década é uma outra coisa, está começando após uma pandemia, a história está girando forte, mais do que nos anos 1990, que era quando eu estava crescendo”, comenta. “Eu me sinto na beira de novas mudanças que estão por vir.”

A mescla do disco propõe um passeio por toda a trajetória de Tim Bernardes, não só a carreira, mas o lado que tem de estudioso de música, apaixonado pelo tropicalismo dos Mutantes, mas também por ícones do indie estrangeiro como Fleet Foxes. “Uso todas as minhas referências como uma alquimia estética para canções que são pessoais.”

Estabelecido como artista de renome, Tim escreveu canções para Gal Costa, Erasmo Carlos e Maria Bethânia e fecha um ciclo para abrir outro, como fala na própria música. “Quando rolou o Recomeçar foi como se tivesse colocado a peça que faltava para que eu pudesse ser visto como um compositor e cantor-compositor da minha geração na MPB.”

O próprio Fleet Foxes, banda da qual o músico é fã, vai fazer parte desse novo começo. Tim gravou uma participação na faixa Going-to-the-sun-road, do disco Shore de 2021 do grupo norte-americano, e agora sai em turnê nos EUA abrindo os shows do conjunto de folk. “É uma coisa muito simbólica e forte. É quase mágico que esteja acontecendo isso”, comemora Bernardes. “Confirma alguma espécie de sonho estético ou artístico de relevância da nossa música e dessa cena no mundo. Conseguir divulgar e acontecer para lá de alguma forma e ver a resposta de um público gostando e entendendo que as cenas se conversam e que o mundo está mais conectado de fato é lindo, muito legal mesmo”, acrescenta.

E são desses sonhos que o cantor e o novo álbum são feitos, o disco reflete sobre o inconsciente do artista enquanto faz com que ele próprio viva sonhos que nunca imaginou. “O que a gente chama de Tim Bernardes é o que eu consegui tomar consciência de um eu maior, que seria do meu inconsciente.”