Chomsky em xeque?
Recife recebe linguista norte-americano Daniel Everett, que aprendeu a língua dos Pirahã e afirma ter feito descobertas opostas à teoria de Noam Chomsky
Daniel França
Especial para o Diario
Publicação: 26/04/2023 03:00
Um povo de cerca de 350 pessoas que habita o Rio Maici, na divisa entre os estados do Amazonas e Rondônia, pode ser o laboratório de uma revolução sobre como o ser humano compreende o fenômeno da Linguagem. A famosa e mais aceita tese da gramática universal, elaborada pelo filósofo e linguista norte-americano Noam Chomsky, de que a linguagem é uma capacidade inata ao ser humano que surgiu entre 70 mil e 100 mil anos atrás a partir da evolução genética do Homo Sapiens, está sendo colocada em xeque.
O autor do questionamento que vem dividindo os cientistas da linguagem é o também norte-americano Daniel Everett. Atualmente pesquisador da Bentley University, em Massachusetts, a relação dele com o povo Pirahã começou em 1977 quando o então missionário cristão Daniel Everett chegou na aldeia para catequizá-los.
Foram pelo menos oito anos morando no território junto com a mulher e os filhos. Entre partidas e chegadas se passaram 40 anos. Everett aprendeu a língua dos Pirahã e afirma ter feito descobertas surpreendentes que o fizeram formular uma teoria oposta à de Chomsky.
O linguista norte-americano que se tornou ateu depois da experiência com os Pirahã visitou, ontem, o programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e fez uma conferência na Universidade de Pernambuco (UPE). Amanhã, vai proferir palestra intitulada Sintaxe da Língua Pirahã, às 18h30, no auditório da Escola de Educação e Humanidades da Unicap, localizado no 1º andar do bloco B.
De acordo com os estudos de Everett, a Linguagem teria sido inventada pelo Homo Erectus há pelo menos dois milhões de anos a partir do desenvolvimento de conversas. Ou seja, é algo muito mais antigo do que se pensava e está moldada à cultura daquela sociedade na qual a linguagem está contextualizada. Essa conclusão veio a partir de constatações de que o idioma Pirahã não tem tempos verbais (presente, passado e futuro), nome de cores e nem palavras para números. Outro ponto de embate entre Everett e Chomsky é a falta de recursividade do idioma desse povo originário, que é a característica de articular orações subordinadas. A tese de Chomsky defende essa propriedade como sendo comum a todas as línguas.
ENTREVISTA - Daniel Everett // linguista
“A força criativa da linguagem não se encontra na oração, mas no discurso”
Qual foi o contexto da sua ida, como missionário, à aldeia Pirahã? Como o senhor tomou conhecimento desse povo e como havia sido planejada essa catequese?
Entrei como membro do Summer Institute of Linguistics/Wycliffe Bible Translators. Era um crente novo, mas dedicado. Planejava traduzir a Bíblia na língua Pirahã e, a partir da tradução, converter muitos e estabelecer uma igreja.
De missionário cristão, o senhor afirma ter se tornado ateu. Que aspectos da cultura Pirahã influenciaram nessa sua transformação pessoal?
Eles exigem evidência para apoiar afirmações. Eu não tinha a evidência sobre Deus - nunca vi, nunca ouvi, não conhecia ninguém que tivesse visto. Também são contentes com a vida e confiantes que possam enfrentar qualquer desafio. Não são violentos. Tem muito amor. Tudo que queria levar do evangelho já tinham e não precisavam de algo supernatural para ter.
As sociedades ocidentais vivem uma epidemia informacional com ressignificações e polarizações na produção de sentido a todo instante, o que provoca uma revisão na nossa relação com o passado (ocasionando por vezes depressão), e com o futuro (gerando quadros de ansiedade). Quais lições esse povo encravado no sul amazônico pode nos passar sobre felicidade?
Aproveitar cada dia, sem medo do futuro e sem se preocupar com o sentido de culpa da qual não pode mudar.
Um dos pontos de embate da sua tese com a de Chomsky é a questão da recursividade. O senhor poderia explicar como a linguagem Pirahã consegue se fazer entender sem essa propriedade?
Não é problema. A força criativa da linguagem se encontra não nas orações, mas no discurso - nas histórias que contamos. Eles têm recursividade cognitiva e organizam as suas histórias de forma recursiva. Simplesmente não utilizam essa propriedade nas orações/sentenças. Mas Chomsky nunca prestou atenção a histórias e discursos. Para ele, a linguagem nada mais é do que um conjunto de sentenças. E essa posição não dá conta da língua Pirahã. Eles são tão inteligentes quanto qualquer outra sociedade. Simplesmente preferem ter orações simples e jogar a complexidade para as histórias. Mas não tem como encaixar isso em nenhuma versão da teoria Chomskyana.
Quais as possíveis ligações entre a linguagem Pirahã e a aquela à qual o senhor defende como sendo inventada pelo Homo Erectus, há dois milhões de anos?
Os Pirahã mostram que podem ter uma gramática capaz de expressar qualquer pensamento só organizando símbolos numa ordem linear. Exatamente como proponho como uma possível gramática dos erectus. Não tem nada a ver com inteligência. É simplesmente uma gramática alternativa.
O autor do questionamento que vem dividindo os cientistas da linguagem é o também norte-americano Daniel Everett. Atualmente pesquisador da Bentley University, em Massachusetts, a relação dele com o povo Pirahã começou em 1977 quando o então missionário cristão Daniel Everett chegou na aldeia para catequizá-los.
Foram pelo menos oito anos morando no território junto com a mulher e os filhos. Entre partidas e chegadas se passaram 40 anos. Everett aprendeu a língua dos Pirahã e afirma ter feito descobertas surpreendentes que o fizeram formular uma teoria oposta à de Chomsky.
O linguista norte-americano que se tornou ateu depois da experiência com os Pirahã visitou, ontem, o programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e fez uma conferência na Universidade de Pernambuco (UPE). Amanhã, vai proferir palestra intitulada Sintaxe da Língua Pirahã, às 18h30, no auditório da Escola de Educação e Humanidades da Unicap, localizado no 1º andar do bloco B.
De acordo com os estudos de Everett, a Linguagem teria sido inventada pelo Homo Erectus há pelo menos dois milhões de anos a partir do desenvolvimento de conversas. Ou seja, é algo muito mais antigo do que se pensava e está moldada à cultura daquela sociedade na qual a linguagem está contextualizada. Essa conclusão veio a partir de constatações de que o idioma Pirahã não tem tempos verbais (presente, passado e futuro), nome de cores e nem palavras para números. Outro ponto de embate entre Everett e Chomsky é a falta de recursividade do idioma desse povo originário, que é a característica de articular orações subordinadas. A tese de Chomsky defende essa propriedade como sendo comum a todas as línguas.
ENTREVISTA - Daniel Everett // linguista
“A força criativa da linguagem não se encontra na oração, mas no discurso”
Qual foi o contexto da sua ida, como missionário, à aldeia Pirahã? Como o senhor tomou conhecimento desse povo e como havia sido planejada essa catequese?
Entrei como membro do Summer Institute of Linguistics/Wycliffe Bible Translators. Era um crente novo, mas dedicado. Planejava traduzir a Bíblia na língua Pirahã e, a partir da tradução, converter muitos e estabelecer uma igreja.
De missionário cristão, o senhor afirma ter se tornado ateu. Que aspectos da cultura Pirahã influenciaram nessa sua transformação pessoal?
Eles exigem evidência para apoiar afirmações. Eu não tinha a evidência sobre Deus - nunca vi, nunca ouvi, não conhecia ninguém que tivesse visto. Também são contentes com a vida e confiantes que possam enfrentar qualquer desafio. Não são violentos. Tem muito amor. Tudo que queria levar do evangelho já tinham e não precisavam de algo supernatural para ter.
As sociedades ocidentais vivem uma epidemia informacional com ressignificações e polarizações na produção de sentido a todo instante, o que provoca uma revisão na nossa relação com o passado (ocasionando por vezes depressão), e com o futuro (gerando quadros de ansiedade). Quais lições esse povo encravado no sul amazônico pode nos passar sobre felicidade?
Aproveitar cada dia, sem medo do futuro e sem se preocupar com o sentido de culpa da qual não pode mudar.
Um dos pontos de embate da sua tese com a de Chomsky é a questão da recursividade. O senhor poderia explicar como a linguagem Pirahã consegue se fazer entender sem essa propriedade?
Não é problema. A força criativa da linguagem se encontra não nas orações, mas no discurso - nas histórias que contamos. Eles têm recursividade cognitiva e organizam as suas histórias de forma recursiva. Simplesmente não utilizam essa propriedade nas orações/sentenças. Mas Chomsky nunca prestou atenção a histórias e discursos. Para ele, a linguagem nada mais é do que um conjunto de sentenças. E essa posição não dá conta da língua Pirahã. Eles são tão inteligentes quanto qualquer outra sociedade. Simplesmente preferem ter orações simples e jogar a complexidade para as histórias. Mas não tem como encaixar isso em nenhuma versão da teoria Chomskyana.
Quais as possíveis ligações entre a linguagem Pirahã e a aquela à qual o senhor defende como sendo inventada pelo Homo Erectus, há dois milhões de anos?
Os Pirahã mostram que podem ter uma gramática capaz de expressar qualquer pensamento só organizando símbolos numa ordem linear. Exatamente como proponho como uma possível gramática dos erectus. Não tem nada a ver com inteligência. É simplesmente uma gramática alternativa.