100 ANOS RáDIO CLUBE » "Minha preocupação é formar novas gerações para o rádio" Entrevista // Luiz Maranhão Filho - Historiador

Silvia Bessa
silvia.bessa@diariodepernambuco.com.br

Publicação: 12/11/2018 09:00

Mais de quatro décadas como docente em universidades ensinando radialismo e Luiz Maranhão Filho diz, aos 85 anos, que sua maior preocupação quando se trata de futuro é a formação de novas gerações. De uma família de pioneiros, assim como a Rádio Clube, emissora onde iniciou sua carreira, o historiador pernambucano defende que as instituições apostem em radiowebs e que as empresas lembrem da especificidade do radialismo como profissão. Nesta entrevista, que encerra uma tríade publicada nas últimas segundas-feiras, Luiz Maranhão Filho fala sobre o rádio de ontem e analisa a produção de hoje. A entrevista exclusiva concedida por ele, uma das maiores referências no estudo da comunicação do Brasil, faz parte de uma série de reportagens publicada pelo Diario de Pernambuco desde abril deste ano e que segue até abril de 2019 - quando a Rádio Clube completa 100 anos de fundação.

O RÁDIO HOJE
Escrevi e penso muito sobre isso: uma rádio universitária é escola ou diversão? Não é nenhuma coisa nem outra. É formação de nova geração. Os programas antigamente eram montados. Telga Araújo era muito bom nisso. Uma vez ele fez um programa sobre a descoberta da América e o maestro fez uma sinfonia, que depois foi tocada pela Sinfônica. A sonoplastia dos programas era feita por orquestra. Tudo isso se acabou com o rádio. Hoje só toca música brega e sertaneja.

PREOCUPAÇÃO
Temo pela descaracterização do rádio AM. A FM tem um alcance de, no máximo, 400 quilômetros. A Clube colocava rádio no outro mundo. Tinha canal exclusivo - aliás, isso é outro crime porque acabaram. Nenhum rádio do mundo entrava nesse canal 720 porque era da Rádio Clube. Tem um caso que Silas me disse. Foi a história da Copa do Mundo em 1938, que uma rádio de Berlim queria retransmitir. Os diretores da rádio de Berlim ligaram para Silas, que era o engenheiro alemão daqui. E, na hora do jogo, Silas tirava a Rádio Clube do ar para que a rádio de Berlim usasse a onda e pudesse chegar na Argentina. Isto porque a Rádio El Mundo de Buenos Aires recebia e transmitia para o resto do mundo. Tanto que os jornais não usavam toda a transmissão, mas tiravam dali os gols.

Eu estive na Argentina há pouco e fui procurar documentos da pioneira Rádio El Mundo, mas não existe mais. A segunda rádio de lá, a Belgrano, ainda existe e tem as histórias da Rádio Belgrano. Falta traduzir isso. Em toda a América Latina há rádios educativas. Aqui no Brasil acabaram por causa da Globo. Fez tanta pressão que a RBC virou um cabide de emprego e não tem mais qualidade.

FUTURO
Minha grande preocupação é fazer novas gerações para as rádios. É mostrar que o profissional de rádio não é igual a um jornalista. São duas funções diferentes. O jornalista tem uma preparação válida, mas o rádio precisa fazer uma nova geração. O produtor que escreve não existe mais. Tudo no rádio antigo era lido. Não tinha nada de improviso. Hoje em dia você não vê isto mais. A pessoa do rádio não faz uma leitura prévia do noticiário. Já ouvi aberrações no noticiário. Aqui no Recife tem uma Avenida na Imbiribeira chamada General Mac Arthur, que foi um herói da segunda guerra mundial. Já vi chamarem esta avenida de tudo. Leem errado porque não se faz leitura prévia do noticiário; se improvisa. Fiz um doutorado em São Paulo e conheci um grande locutor, de Azevedo Marques. Esse homem comandava um jornal falado inteiro com três locutores. Vinha com os textos todos na mão e dava ordem de edição da matéria. Passava de um locutor ou outro de acordo com o clima do programa. Esse tipo de treinamento não se faz mais. Não tem editor de jornal que saiba a linguagem do rádio, com frases curtas, dando chances de o locutor respirar. Não se faz mais esse tipo de radialista de notícia. Geralmente pega-se um jornalista e coloca ali. Depois, vejo hoje o descuido com as datas históricas. Não se pode colocar o forró sem dizer a origem daquela música. Outro dia ouvi um programa todinho sobre Alceu Valença e não tinha uma nota sobre a vida de Alceu Valença, que ritmo ele estava usando. Ou seja, também acho que o rádio deveria ser mais cultural.

SALA DE AULA
De magistério tenho décadas. Fiquei de 1972 a 2000. São trinta anos de magistério. Depois, aposentado, fui para a Nassau. Acho que tive entre dois mil e três mil alunos. As turmas tinham cerca de 30 alunos cada uma. Eu já vi professor dando aula para 60 alunos, mas não tem quem aguente, então eu limitava. Em rádio e televisão, a minha primeira exigência era que se fizesse um estudo de rádio. Ninguém pode ensinar radialismo sem um estúdio de rádio. Na Nassau, eu me chateei mais por isso por que eu tinha uma rádio experimental mesmo. Os alunos colocavam no ar e muita gente treinou na rádio. Tiraram do ar. A Universidade Católica mesmo tem uma senhora estrutura. Lá eu tenho meus cupinchas...(ar de risos). Eu já sugeri muito à Católica: ‘Bote uma radioweb que você vai ter outra dimensão’. Porque Católica é primeiro mundo. Mas nunca quiseram colocar uma radioweb no ar. É só querer, pedir ao Ministério da Educação e não tem processo quase nenhum. Hoje, quando vou a um congresso, minha discussão é a seguinte: é dizendo que internet é só um suporte. A rádio a mesma em qualquer situação. Ouço muita rádio ainda. Você pega uma BBC de Londres e ainda tem radioteatro e documentário.

ESTILO
Eu estava aposentado e fui convidado para analisar uma tese de mestrado de um camarada lá. Um professor. Aí ele mandou um texto para eu ver antes. Quando eu vi, ele queria fazer uma tese de mestrado com duas gravações de futebol da rádio. Gravou duas transmissões e queria mostrar a linguagem dos locutores esportivos em duas partidas. Eu fiz a observação dizendo: ‘Olhe, cada rádio tem um locutor de esportes - é a única coisa que sobreviveu bem foi o esporte. Cada rádio e locutor têm uma linguagem diferente e esquema diferente’. Eu reprovei o cara e ele ficou com raiva de mim. A tese dele era inconsistente. Ninguém pode ser um mestre analisando duas linguagens de rádios.

O GESTOR
Quando eu fui colocar a Rádio Universitária no campo da Universidade Federal, a Aeronáutica criou o maior problema. Não pode botar torre na descida dos aviões, diziam. Tinha um engenheiro chamado Nédio Cavalcanti, que era meu amigo, e eu disse: ‘Tem um processo numa revista da Alemanha que fala de uma coisa chamada carga de topo. É pegar uma antena (que tem 136 metros de altura de AM), então vc faz em três estágios. A antena sobe, desce, faz terra no chão e sobe de novo. Então, tem 136 metros divididos em três estágios. E o transmissor da Rádio Universitária estava na sucata. Liguei para Paulo santiago, amigo meu da Rádio Clube e disse: ‘A Universidade não tem dinheiro para pagar, mas eu quero sua ajuda.’ Ele disse: ‘Me dê seu livro que eu faço tudinho’. Dei um livro de presente e ele passou mais de 15 dias trabalhando e colocou no ar o transmissor depois de vinte anos. Lembro que dissemos: ‘Quem tiver se longs plays em casa dê pra rádio que vamos remasterizar tudo’. Era colocar dentro de uma bacia de água com detergente que largava a sujeira. A Rádio Universitária hoje tem uma coleção de mais de mil longs plays que foram fruto de doação de público.

Esta reportagem integra uma série publicada em homenagem à Rádio Clube