PRIMEIRA INFàNCIA » Autoestima para encarar o racismo Atividade "Ninar nos terreiros", durante a Semana do Bebê, acolhe crianças negras e de religiões de matriz africana

Publicação: 01/06/2019 03:00

Mais da metade das crianças brasileiras na primeira infância são negras ou pardas. Entre a população indígena, 14% são meninos e meninas de 0 a 6 anos. Pensar a primeira infância é também desenvolver um olhar afetuoso da sociedade para com essa infância que, na maioria das vezes, é submetida muito cedo a processos de violência física e psicológica. Violência essa que perpassa preconceitos existentes na sociedade, ausência de políticas públicas efetivas e a desestruturação familiar consequente.

Em 2010, para se ter uma ideia, os índices de crianças vivendo na pobreza quase duplicava quando se comparavam brancos e negros. Além de submetidas a condições precárias de vida, essas crianças enfrentam contextos que as diminuem enquanto seres humanos. “Quando se fala sobre primeira infância, pensamos naquela família de comercial de margarina, mas a gente precisa ter múltiplos olhares, pois a infância é múltipla, ela não é igual. Uma mulher preta que engravida fica duas vezes nervosa: com a gestação e porque irá parir uma criança que, se for menino, pode vir a ser confundido com bandido, e se for menina, viverá a vulgarização do corpo da mulher negra”, afirma a contadora de histórias, pedagoga e empreendedora social criadora do canal Caçando Estórias, voltado à disseminação de conteúdo literário que referencia a matriz africana, Kemla Baptista.

Para Kemla, trabalhar a autoestima na primeira infância significa encarar o racismo, o dilaceramento das famílias em situação de pobreza, a falta de formação dos educadores na questão étnico-racial e a ausência de representatividade na mídia. “São questões que têm impacto direto na construção das afetividades, da autoconfiança. A criança precisa da percepção de quem ela é. É necessário um olhar atento, vigilante e carinhoso para pensar a diversidade infantil.”

No Recife, há cinco anos, durante a Semana do Bebê, a atividade “Ninar nos Terreiros”, é realizada para promover o acolhimento de crianças negras de religiões de matriz africana e apresentar esse contexto a outras. “É a partir da infância que a gente começa a construir a identidade, que percebemos a nossa representatividade. Trazemos o lúdico para fazer referência à questão racial, combater o racismo religioso, o preconceito. Levamos estudantes de escolas públicas e particulares para essa sensibilização”, diz a coordenadora da Política de Saúde da População Negra do Recife, Rose Santos.