Desafio do autismo é cada vez maior Relatório mostra que o transtorno cresce, sem que especialistas consigam encontrar explicação

Paloma Oliveto
CORREIO BRAZILIENSE
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Publicação: 24/12/2016 09:00

Doha — Era o ano de 1933 e o casal Beamon e Mary Triplett, da cidade norte-americana de Forest, no Mississipi, ganhou seu primeiro filho, um menino louro e rechonchudo batizado de David. A alegria de ter um bebê, porém, misturou-se à preocupação com o comportamento da criança, que desde cedo se mostrou muito diferente das demais. David não interagia com os pais. Aparentava ter pouco ou nenhum interesse pela família. Fechado em seu mundo particular, o menino, porém, dava sinais de genialidade nas artes e nos números. Fazia cálculos complicados de cabeça e parecia sempre estar contando alguma coisa. Na pequena cidade de três mil habitantes, o garotinho se tornou uma espécie de celebridade.

Os Triplett procuraram o psiquiatra infantil austríaco Leo Kanner. Tomando emprestado um termo grego — autos, ou ego —, o médico definiu David como o primeiro caso de autismo diagnosticado. Já se passaram 83 anos e a medicina ainda não desvendou o autismo. O que se sabe é que o transtorno — conjunto de distúrbios que têm no isolamento social um dos principais sinais — está aumentando. Se, na década de 1940, a literatura científica registrava 11 casos, a partir de estudo do próprio Kanner (evidentemente havia mais, não diagnosticados), hoje acredita-se em 52 milhões pessoas com autismo no mundo. E o número deve ser maior, pois países populosos não têm estudos epidemiológicos, alerta o psiquiatra Kerim Munir, professor da Faculdade de Medicina de Harvard e diretor do Centro para Autismo e Distúrbios Associados do Hospital Infantil de Boston.

Munir é autor de relatório apresentado no Simpósio Mundial de Inovação em Saúde (Wish), da Fundação Qatar, que ocorreu em Doha. Ele sustenta que, tomando como exemplo os Estados Unidos, que têm registros organizados de autismo desde a década de 1980, pode-se inferir que os casos aumentaram mais de 10 vezes nas últimas três décadas. O médico insiste na necessidade de investigar melhor as causas e os tratamentos para o transtorno que, somente nos EUA, custa US$ 2,2 milhões por paciente, ao longo da vida.

O custo mais alto, porém, é emocional. “Essa condição afeta a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias. Os cuidadores costumam ter mais casos de ansiedade e depressão, além de, muitas vezes, precisarem abandonar o trabalho”, destaca. “Existem imensos vazios em relação a tratamentos efetivos e estudos sobre causas. Lutamos para fornecer suporte às famílias, para garantir que crianças com autismo tenham acesso à educação e aos serviços públicos”, observa Lord Ara Darzi, do instituto de Inovação em Saúde do Imperial College London, coautor do relatório.

Entenda o autismo em 6 passos
  1. O diagnóstico do autismo geralmente é feito após os cinco anos, mas é possível identificar alguns dos sintomas antes desta idade
  2. As crianças autistas geralmente têm atraso na linguagem e coordenação motora, são hiperativas, irritadas e têm dificuldade para interagir
  3. A forma branda do autismo, também configurada como transtorno de desenvolvimento, é chamada Síndrome de Asperger
  4. As crianças e adultos que têm a síndrome, em geral, não têm comprometimento cognitivo
  5. Para conseguir identificar o autismo, os pais devem procurar médicos da área de saúde mental, como neuropediatras ou psiquiatras
  6. O tratamento precisa tanto dos médicos, psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e fisioterapeuta
Tratamento
Três estratégias difundidas internacionalmente

  1. Teacch (Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handcapped Children): programa que combina diferentes materiais visuais para organizar o ambiente físico através de rotinas e sistemas de trabalho. Visa independência e aprendizado.
  2. Pecs (Picture Exchange Communication System): usa figuras e adesivos para facilitar a comunicação e compreensão ao estabelecer uma associação entre a atividade/símbolo.
  3. ABA (Applied Behavior Analysis): análise comportamental aplicada que se embasa na aplicação dos princípios fundamentais da teoria do aprendizado baseado no condicionamento operante e reforçadores para incrementar comportamentos socialmente significativos, reduzir comportamentos indesejáveis e desenvolver habilidades.
Números
  • 52 milhões pessoas com autismo em todo o mundo
  • 10 vezes foi a taxa de aumento nas últimas três décadas
  • 1 em cada 68 pessoas é acometida pelo problema, segundo o Centro de Controle de Doenças dos EUA
  • US$ 268 bilhões foi o impacto na economia norte-americana em 2015
  • 2 milhões é o número estimado de autistas no Brasil, embora não haja estatísticas detalhadas sobre o assunto
  • 1 em cada 88 crianças nasceria com o distúrbio no Brasil
  • 1 a cada 2,5 mil crianças seria o índice de 1990
Fontes: Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Professor doutor Carlos Aucélio, coordenador da unidade de neuropediatria da Faculdade de Medicina da UnB, CDC