Mais de um século depois, Alzheimer ainda é mistério Alvo de milhares de pesquisas, doença não tem medicamento eficaz. Há 114 estudos em andamento, nenhum com prognóstico promissor

Paloma Oliveto
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Publicação: 16/02/2019 03:00

Já se passaram 113 anos desde que o alemão Alois Alzheimer enxergou, no microscópio, estranhas manchas que se formavam entre as células do cérebro de uma ex-paciente. Não demorou para que o médico juntasse as peças. A mulher, examinada por ele algum tempo antes, exibia sinais de agressividade, paranoia e perda progressiva de memória.

O psiquiatra, então, levantou a hipótese de que alterações cerebrais estavam associadas a sintomas mentais. Desde então, foram publicadas centenas de milhares de artigos científicos sobre esse tipo de demência, investidos trilhões de dólares em pesquisas e realizadas centenas de ensaios clínicos de substâncias com potencial de tratar o mal. Porém, até agora, nenhum medicamento se mostrou capaz de agir diretamente na causa do Alzheimer.

Nos dois últimos anos, drogas consideradas promissoras falharam nas etapas finais dos testes. Na Europa, o Orojeto Cérebro Humano financia desde 2013 mais de 100 universidades e instituições. A iniciativa resultou em nove ensaios clínicos (com pacientes humanos) de fase II e 12 de fase III em curso, mas as expectativas da comunidade científica são baixas em relação aos resultados. Em todo o mundo, há 114 estudos ativos — a maior parte, nos Estados Unidos —, mas poucos parecem ter potencial de alterar o curso da doença, que, segundo a Associação Internacional de Alzheimer, deverá estar afetarndo 75 milhões de pessoas em 2030 e 132 milhões em 2050.

“O fracasso dos ensaios clínicos é tão retumbante que colocou em dúvida a própria teoria sobre como a doença vai danificando o cérebro”, aponta o geriatra Otávio Castello, presidente da regional DF da Associação Brasileira de Alzheimer.

Ele destaca que a última vez que se aprovou um medicamento para lidar com a enfermidade neurodegenerativa foi em 2003. Entre 2002 e 2012, foram realizados 410 estudos com seres humanos, sendo 224 deles de fase III, a última antes de a droga ser patenteada e lançada no mercado. “Nenhum funcionou. Foram US$ 1 trilhão para a lata do lixo.”

Desde então, as apostas voltaram-se a três anticorpos monoclonais. Porém, à exceção do Aducanumab, que tem demonstrado resultados modestos nos estudos de fase III, previstos para encerrar em 2021, os demais falharam. Em 30 de janeiro, a Genentech, do Grupo Roche, anunciou a descontinuidade em dois ensaios clínicos de fase III com o Crenezumab, depois de a substância não ter alcançado os resultados esperados.

A farmacêutica informou, porém, que um estudo com essa droga em curso na Colômbia será concluído e que continuará a pesquisar a ação do Gantenerumab. Esse último tem mecanismo de ação semelhante ao Crenezumab: trata-se de um anticorpo que ataca diretamente as placas beta-amiloide. Atualmente, é testado em dois ensaios de fase 3, o Graduate 1 e o Graduate 2.

Proteína
A maioria dos medicamentos em teste atualmente tem como foco a proteína amiloide, que, quando produzida em excesso, danifica as conexões entre as células nervosas cerebrais, causando problemas de memória e demência. O depósito da substância é geralmente associado ao início do mal de Alzheimer.

Em tese, uma substância capaz de impedir esse processo poderia ser a cura para a doença. Contudo, a teoria da cascata amiloide tem sido colocada em dúvida após os seguidos resultados fracassados, ressalta Castello. Não que a proteína não esteja envolvida no processo neurodegenerativo, mas o que as falhas nos testes clínicos sugerem é que ela é apenas parte de um quadro mais complexo ainda a ser decifrado.