Desequilíbrio no intestino favorece câncer de mama As descobertas, publicadas na revista Cancer Research, podem ajudar com estratégias de combate ao tumor

Publicação: 22/06/2019 03:00

Alterações na microbiota podem contribuir para a propagação do tumor de mama, segundo cientistas americanos. Os especialistas provocaram um desequilíbrio nas bactérias que habitam o intestino de ratos com o câncer e observaram que os animais sofreram evolução mais acelerada das células doentes, em comparação a roedores com a flora intestinal saudável. As descobertas, publicadas na revista especializada Cancer Research, podem ajudar na construção de estratégias de combate ao tumor mais eficazes que as atuais.

Um dos maiores desafios dos especialistas é prever se o câncer vai se espalhar para além das mamas, atingindo outras partes do corpo (metástase). Segundo os autores do estudo, esse fenômeno acontece precocemente por uma série de fatores. “Um deles é ter alto nível, no tecido, de células imunes chamadas macrófagos. Também há estudos que demonstraram que quantidades aumentadas de proteína colágeno no tecido levam ao aumento da metástase do câncer de mama”, explica Melanie R. Rutkowski, professora-assistente de microbiologia, imunologia e biologia do câncer da Universidade de Virgínia Câncer Center, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo.

Na pesquisa, os cientistas tentaram esclarecer se mais um fator suspeito de aumentar as chances de metástase se confirmaria. “Há evidências de que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que têm comorbidades associadas à disbiose comensal (desequilíbrio das bactérias do intestino), como obesidade e diabetes, apresentam risco aumentado de desenvolver metástase. No entanto, não se sabia se o microbioma intestinal influenciava diretamente a metástase do tumor de mama. Nosso estudo teve como objetivo testar diretamente o papel do microbioma e seus efeitos sobre o câncer de mama metastático”, detalha Rutkowski.

No experimento, os investigadores manipularam ratos para que tivessem câncer de mama. Durante algumas semanas, as cobaias receberam coquetel de antibióticos para que sua microbiota intestinal fosse alterada. Os cientistas notaram que a disbiose comensal provocada pelos remédios contribuiu para o crescimento e a maior propagação do tumor no corpo dos animais. “Alterar o microbioma resultou em inflamação de longo prazo no tecido e no ambiente do tumor”, frisa Melanie R. Rutkowski. “Essas descobertas sugerem que ter uma microbiota não saudável e as alterações que ocorrem no tecido relacionadas a um microbioma prejudicial à saúde podem ser preditores precoces de câncer de mama invasivo ou metastático”, indica.

Segundo Ana Carolina Salles, oncologista clínica do Centro de Oncologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, o estudo tenta responder a uma pergunta que tem inquietado especialistas da área. “A microbiota influencia a capacidade do câncer de mama receptor hormonal positivo se disseminar para outros tecidos e órgãos?”, diz. “Ao fim do experimento, eles demonstram que aqueles animais que apresentavam disbiose tinham maior número de metástases ganglionares e pulmonares. Esse dado é muito interessante. Mostra, em estudo pré-clínico, um assunto que está sendo amplamente estudado e que relaciona a microbiota e o câncer.”

Para a equipe de pesquisadores, os resultados poderão ajudar no desenvolvimento de terapias contra o câncer de mama, mas eles ressaltam que as investigações precisam ser aprofundas. “Uma vez que entendemos como um microbioma desequilibrado influencia a metástase do câncer de mama, há certamente um potencial para desenvolver terapias que reduzam a probabilidade de desenvolvimento de doença metastática por meio da modulação de bactérias intestinais. No entanto, muito mais trabalho precisa ser feito para entender como o microbioma contribui para esse processo”, frisa Melanie R. Rutkowski. (Correio Braziliense)