Onde nascem as criaturas

Publicação: 11/02/2017 03:00

Personagens que marcaram época, como Chaves e os Trapalhões, são homenageados no carnaval. Mais que frevo, ídolos do rock ganham as ladeiras no carnaval (IGO BIONE/DP)
Personagens que marcaram época, como Chaves e os Trapalhões, são homenageados no carnaval. Mais que frevo, ídolos do rock ganham as ladeiras no carnaval

O nascedouro dos bonecos gigantes de Olinda, situado no Alto da Sé, inaugurado há 33 anos, é a casa onde tudo é, de fato, pensado, criado, analisado e produzido. Os bonecos só saem de lá no dia em que estão prontos para “respirar” carnaval. Antes de chegarem às ruas, passam por moldes feitos na argila que servem de base para a fibra de vidro. Demora entre 30 e 45 dias até que os bonecos estejam prontos. O nascedouro funciona ainda como local de manutenção dos gigantes, normalmente realizada com gesso. Se bem feita, garante uma vida útil longa, a exemplo dos 80 anos do Homem da Meia-Noite, um dos mais tradicionais entre os bonecos.

O corpo também ganha forma com os tecidos que o vestem. Há dez anos no nascedouro, Iracema Melquiades, costureira olindense dos bonecos gigantes, emociona-se só de olhar para os bonequeiros. Garante aprender todos os dias, mesmo com quem viveu nem metade do que ela já passou junto aos bonecos. “Trabalhar com boneco é bom, é gratificante porque quando ele sai na rua com aquele brilho todo, a gente logo pensa: ‘Fui eu que fiz!’ e é muito legal. Foi a profissão que eu escolhi e não consigo me imaginar fazendo outra coisa”, conta.

Dedicação: Silvio Botelho "respira" folia durante o ano inteiro, no ofício que tomou sua vida há 43 anos. Para Rogério (D), desafio é manter o ritmo carregando os bonecos (IGO BIONE/DP)
Dedicação: Silvio Botelho "respira" folia durante o ano inteiro, no ofício que tomou sua vida há 43 anos. Para Rogério (D), desafio é manter o ritmo carregando os bonecos

Apesar de ser essencialmente artesanal, o processo exige precisão para ser realizado sem falhas. “Aqui (no nascedouro) nós somos muito parceiros e profissionais. Para fazer as roupas, vemos vídeos, conversamos e analisamos. Cortamos o molde, desenhamos, tudo para a roupa sair perfeita”, explica. Pai dos bonecos gigantes, Silvio Botelho conta com um sorriso no rosto toda a história que, com muito orgulho, faz parte. Inspirados pelos bonecos gigantes da Europa, eles chegaram em Pernambuco pelo sertão do estado, na cidade de Belém do São Francisco. O primeiro personagem, Zé Pereira, criado em 1919, foi confeccionado em madeira e papel machê. Em 1929, ganhou uma companheira, a boneca Vitalina. Três anos depois, foi a vez do boneco mais famoso ganhar forma: o Homem da Meia-Noite. Criado por Anacleto e Bernardino da Silva, também não poderia ficar sozinho. Logo surgiu a Mulher do Dia. Foi quando Silvio entrou em cena. Com todo encanto, as ladeiras de Olinda foram presenteadas com o toque de inocência que o carnaval precisava. Assim, foi criado o Menino da Tarde, há 43 anos. Desde então, aquele sorriso nunca mais saiu do rosto do artista apaixonado pelo dom de criar outras vidas - ou reproduzi-las - em forma de bonecos. Muito trabalho e dedicação que nutrem seus objetivos. “Eu quero é que um dia todo o Brasil tenha os bonecos gigantes, que eles rompam as fronteiras ”, diz o artista plástico que já passa dos 1.000 bonecos construídos ao longo da carreira. A motivação para alcançar esse sonho é simples na mente de quem respira o carnaval. “A minha cabeça pensa 24 horas como um carnaval. Sem parar. Se eu pudesse viver ele o ano inteiro, eu fazia o ano todo na folia”. O alto astral não impede que o trabalho necessite também de comprometimento. Só sente o prazer da dura tarefa de carregar os bonecos, por exemplo, quem se empenha também antes da festa.  “Se não trabalhar na criação, não pode carregar o boneco, porque nunca vai saber o valor que ele tem”.

"A pessoa tem que saber dançar. Se não souber mexer direito fica ruim, o boneco não anda", Rogério Barbosa, manipulador de bonecos gigantes

Você sabia?
O município de Belém do São Fransciso, no Sertão pernambucano, foi o primeiro local que contou com os bonecos gigantes no estado. A tradição foi iniciada pelo padre belga Norberto Phalempin, em 1919.