Francisco sob a ótica dos cardeais Para onde vai a Igreja?, novo livro de Gerson Camarotti, traz análises de cinco líderes católicos brasileiros sobre o "papa do fim do mundo"

Publicação: 28/07/2018 03:00

O jornalista pernambucano Gerson Camarotti, autor da primeira entrevista exclusiva com o papa Francisco para a TV brasileira, retoma agora um de seus temas preferidos ao escrever Para onde vai a Igreja?, fruto de cinco entrevistas com cardeais brasileiros, e que será lançado no Recife em 18 de agosto. Comentarista político e estudioso dos rumos do catolicismo, ele poderia responder à questão com base na análise de repórter atento, na linha da apresentação do livro. Preferiu, no entanto, ouvir a opinião e registrar as expectativas de amigos próximos de Jorge Mario Bergoglio, o jesuíta argentino, até então arcebispo de Buenos Aires, eleito sucessor de Pedro no conclave de 2013.

Os entrevistados são os cardeais Cláudio Hummes, Odilo Scherer, Raymundo Damasceno, Orani Tempesta e Sérgio da Rocha. Dois deles, dom Cláudio e dom Damasceno, não são mais eleitores, por terem mais de 80 anos, mas os outros três, dom Odilo, dom Orani e dom Sérgio, votariam num eventual próximo conclave. Todos avaliam com esperança a orientação que Francisco vem dando à Igreja, mas também relembram os passos dos papas que desde o Concílio Vaticano II (1962 - 1965) contribuíram para a revitalização de uma instituição de dois mil anos.

Aliás, todos mencionam Pio XII, antes de falar dos pontificados de João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI. O papa João Paulo I entra nas páginas de Camarotti como saudosa lembrança, porque morreu 33 dias após sua eleição em 1978 e só teve tempo de deixar a imagem de um inesquecível sorriso. Dom Cláudio Hummes, prefeito emérito da Congregação do Clero e arcebispo emérito de São Paulo, aquele que, no conclave, pediu a Bergoglio que não se esquecesse dos pobres, está contente com o caminho traçado pelo amigo. “Está sendo muito mais do que eu esperava e, por isso, estou muito feliz com o papa. Espero que Deus lhe dê um longo pontificado, bem como forças para fazer tudo o que deve fazer”, disse o cardeal, depois de defini-lo como “homem dos pobres, da paz e de nossa casa comum”.

Constata-se uma unanimidade na avaliação e não era de se esperar que os cardeais brasileiros se manifestassem de outra forma. O tom varia, de acordo com a personalidade e o estilo de cada um, mas todos se confessam entusiasmados com o jesuíta sul-americano.

Francisco “suscita grande simpatia e adesão até mesmo naqueles que não possuem ligação com a Igreja”, afirma dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, um dos cardeais apontados como papáveis antes do conclave para a sucessão de Bento XVI. O religioso disse ter-se surpreendido com o noticiário da imprensa que destacava seu nome durante a reunião, embora as apostas de jornalistas já se focassem nele antes de os eleitores se fecharem na Capela Sistina. Dom Damasceno, que conviveu com Bergoglio em Aparecida (SP) durante a 5ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, em 2007, e depois hospedou o papa, em 2013, observa que “ele está fazendo mudanças paulatinamente”.

“Não se fazem, sobretudo no caso de um papa, todas as mudanças desejadas num ano ou dois”, advertiu o cardeal, mineiro de Capela Nova, na entrevista a Camarotti. No caso dos católicos casados em segunda união, por exemplo, a Igreja mantém firme a doutrina da indissolubilidade do matrimônio, embora já admita em circunstâncias especiais o acesso desses casais ao sacramento da Eucaristia. Francisco aconselha o discernimento na busca de uma solução intermediária, entre a doutrina e a situação concreta dos recasados.

O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, nomeado cardeal por Francisco, entusiasma-se com a imagem de uma “Igreja em saída”, expressão criada pelo papa para definir a urgência de os padres abandonarem as sacristias num grande esforço de evangelização. “Essa Igreja em saída consiste em ir atrás daqueles filhos que estão por aí e muitas vezes são esquecidos”, comenta Orani, como se estivesse falando da realidade de sua arquidiocese tão marcada pela evasão de fiéis em trânsito para grupos evangélicos.

Para onde vai a Igreja? O papa Francisco fez todas as reformas que pretendia fazer? Dom Orani responde com cautela, otimista, sem dar a tarefa por acabada. “Acho que devemos usar o gerúndio: está fazendo. Na verdade, não existe programa tão bem definido. No seu primeiro discurso, o Santo Padre não fala de um projeto, de fazer isso ou aquilo. Não se trata de seguir um querer avulso seu, mas de se ater ao que foi discutido antes do conclave - a Cúria Romana, a comunicação da Igreja, a questão social, a presença da Igreja junto ao povo”, diz. Dom Orani credita a iniciativa ao papa, mas adverte que ele não age sozinho.