Vaticano abre a caixa preta de Pio XII Provavelmente o mais polêmico dos papas católicos, o italiano sempre foi alvo de críticas por sua suposta omissão perante o holocausto

Publicação: 09/03/2019 03:00

E m um anúncio que surpreendeu a comunidade católica, a Santo Sé decidiu que os arquivos secretos do Vaticano sobre o pontificado do papa Pio XII (1932-1958) serão abertos em março de 2020, num gesto que poderia lançar luz sobre suas ações durante a Segunda Guerra Mundial. Numerosos pesquisadores vêm exigindo há anos o acesso aos documentos para examinar por que Pio XII não se manifestou durante o extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, um silêncio que as organizações judaicas consideram uma forma de cumplicidade passiva.

“Eu decidi que a abertura dos arquivos do Vaticano para o pontificado de Pio XII será realizada em 2 de março de 2020, por ocasião do 81º aniversário da eleição de Eugenio Pacelli ao papado”, declarou o papa Francisco ao receber uma delegação de arquivistas no Vaticano. “A Igreja não tem medo da História”, garantiu o pontífice, lembrando que Pio XII esteve à frente da Igreja “em um dos momentos mais tristes e sombrios do século XX”.

“Assumo esta decisão (...) certo de que a pesquisa histórica séria objetiva saberá avaliar sob a luz da justiça, com as críticas apropriadas, os momentos de exaltação deste papa e, sem dúvida, também, os momentos de sérias dificuldades, decisões atormentadas, prudência humana e cristã”, acrescentou.

Essas decisões “poderão parecer para alguns como uma relutância, mas foram, de fato, tentativas de manter, em tempos de profunda escuridão e crueldade, a pequena chama de iniciativas humanitárias, da diplomacia oculta, mas ativa”, assegurou o pontífice argentino.

Em Jerusalém, o Memorial da Shoah de Yad Vashem saudou a decisão “que vai permitir pesquisas abertas e objetivas, bem como um estudo completo das questões ligadas à atitude do Vaticano em particular, e da Igreja católica como um todo, durante o Holocausto”.

O governo israelense declarou, por sua vez, estar “satisfeito desta decisão” e desejou que ela pemirta “o acesso aos arquivos pertinentes”. Enquanto seus sucessores João XXIII (1958-1963), Paulo VI (1963-1978) e João Paulo II (1978-2005) foram canonizados, o processo de beatificação de Pio XII, relançado em 2009 por Bento XVI, está parado desde então devido às controvérsias sobre o seu papel durante a guerra.

Herói ou vilão?
Para muitos historiadores, Pio XII deveria ter condenado o massacre de judeus com muito mais firmeza, mas não o fez por causa da cautela diplomática e para não colocar em perigo os católicos na Europa ocupada.

A peça de teatro O vigário, do dramaturgo alemão Rolf Hochhuth de 1963, adaptada para o cinema no filme Amen, do grego Costa Gavras em 2002, contribuiu muito para a imagem de um papa sem preocupação com a situação dos judeus.

Outros historiadores, no entanto, afirmam que ele salvou dezenas de milhares de judeus italianos pedindo aos conventos que lhes abrissem suas portas. Segundo o monsenhor Sergio Pagano, responsável pelos arquivos secretos do Vaticano, os trabalhos em vista desta abertura começaram sob o pontificado de Bento XVI em 2006, após a abertura dos arquivos sobre o pontificado de Pio XI (1922-1939). (AFP)